quarta-feira, 5 de junho de 2013

ARTIGO: Inimputáveis?

Por Sérgio Magalhães*


A cidade teve muitos de seus melhores espaços públicos desqualificados pela invasão rodoviarista, no Centro, na orla, nos bairros

Acidentes que se multiplicam, veículos com centenas de infrações, multas não pagas, carros sem conforto — são tantas as queixas sobre os ônibus que é justo indagar: eles são inatingíveis? Cobrado, diz o presidente da Federação das Empresas de Transporte: “O Rio cresceu sem planejamento.”
As cidades modernas, resultantes da industrialização, tornaram-se grandes cidades quando o sistema de transporte coletivo foi capaz de transportar amplos contingentes. Elas se apoiaram no transporte rápido, nem sempre subterrâneo, em geral sobre trilhos. Londres inaugurou o metrô nos anos 1860; Paris, em 1900.

Ao contrário do que se diz, o Rio cresceu bem estruturado — pelo transporte e obedecendo à geografia. Quando a cidade precisou se expandir para além da área que hoje chamamos de Centro, ela o fez apoiada pelos trilhos. Na Zona Norte, ampla e larga, ainda no século XIX construiu as linhas ferroviárias suburbanas. Na Zona Sul, área restrita, foram os bondes que orientaram o crescimento. Os bondes ainda interligavam as ferrovias, em delicados percursos. Era uma boa estrutura.

Mas, nos anos 1960, as cidades brasileiras foram levadas a desmobilizar o modo sobre trilhos, adotando o modo rodoviário (implantava-se a indústria automobilística). Para o Rio, cidade então mais bem estruturada do País, urbanisticamente, foi uma hecatombe. Não modernizou os trens, que se degradaram, e fez um metrô peculiar: isolado das ferrovias, uma só linha, ao invés de uma rede. Apostou no ônibus e no carro. Nem o ônibus é adequado para grandes percursos, nem o carro o é para grandes contingentes. Assim, entre as cidades brasileiras, no Rio é maior a percentagem de pessoas que gastam de uma a duas horas na viagem casa-trabalho (ANTP, 2011).

A cidade teve muitos de seus melhores espaços públicos desqualificados pela invasão rodoviarista, no Centro, na orla, nos bairros. A dupla automóvel-ônibus é gulosa por território; quando imposta hegemonicamente a tecido urbano preexistente, rompe a escala dos lugares, inibe a relação cidadão-cidade, exclui alternativas de mobilidade.

Não, o Rio não cresceu sem planejamento. A cidade teve imposta uma troca modal em desacordo com sua estrutura. Está em tempo de reconhecer o erro (a indústria automobilística já é forte). O rodoviarismo ainda pressiona para transformar todo tecido urbano em área de passagem.
O Rio precisa redesenhar sua mobilidade em sintonia com suas estruturas urbanísticas. Onde a urbanização é estruturada pelo automóvel, como na Barra, adequando-se a esse modal; mas, no sistema metropolitano e na Zona Norte-Zona Sul-Centro, dando ênfase a modos de alto rendimento, tipo metrô em rede e transformação dos trens em metrô.

A indefinição político-institucional da cidade metropolitana certamente responde pela ausência de respostas. É inércia que há décadas penaliza a população.

Todos os modos de transporte têm o seu lugar. Mas não é por reconhecermos sua óbvia inadequação como principal modo de transporte da metrópole que os ônibus se tornam inimputáveis.
A propósito: Há melhor sintonia com a estrutura do bairro que o bondinho em Santa Teresa? Quando voltará?

*Sérgio Magalhães é arquiteto




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