Raquel Rolnik
Fala-se muito sobre Brasília e sua arquitetura inovadora, modernista,  mas pouco se fala sobre o seu papel na reestruturação do espaço e da  economia nacional. O Brasil tem uma história de desenvolvimento  econômico muito ligada ao litoral e a penetração no interior do país é,  sobretudo, um fenômeno econômico extremamente recente.
Neste sentido, Brasília teve o papel estratégico de abrir uma frente  de expansão na direção do Centro Oeste, trazendo um conjunto de rodovias  que a conectavam com Belém, com o Sudeste e com as várias capitais do  país. A partir dali houve, claramente, dos anos 70 até hoje, um processo  intenso de transformação da região.
Brasília não é nem melhor nem pior que todo o resto do Brasil. A  cidade que tem um plano piloto que é um patrimônio da humanidade, com  uma qualidade urbanística inegável, tem também no seu entorno, fora do  retângulo que é o Distrito Federal, 21 cidades que estão hoje nos  estados de Goiás e também de Minas Gerais, e que estão crescendo  assustadoramente, abrigando pessoas que trabalham em Brasília. Hoje são  quase 800 mil pessoas morando nessas cidades.
Entre elas estão Águas Lindas, Cidade Ocidental, Luziânia, Novo Gama,  Santo Antônio do Descoberto, Valparaíso de Goiás, formando um primeiro  anel com 40 a 50 km de distância Brasília. Depois vêm cidades como  Abadiânia, Formosa de Goiás, num raio um pouco mais distante, até  cidades que chegam a quase 100 km de Brasília. O interessante é que essa  distância é medida com relação à rodoviária de Brasília.
Essas cidades apresentam IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) tão  baixo quanto os piores IDHs de países africanos. São cidades com  altíssimas taxas de desemprego, cerca de 40%, com altas taxas de  analfabetismo e também com altos índices de violência. E, por incrível  que pareça, elas também fazem parte de Brasília.
Essas cidades não foram construídas de maneira planejada como foi  Brasília. Digamos que houve e ainda há uma hierarquia. Primeiro, o plano  piloto. Quem mora lá inclusive o chama de Ilha da Fantasia, porque é  uma área onde, de fato, se vê pouquíssima ocupação informal, que tem  todo um ordenamento, uma clareza na paisagem, um controle do uso e  ocupação muito rígido e estruturado por um plano, tem os palácios de  grande qualidade arquitetônica, enfim. Em volta do plano piloto há um  cinturão de 20 a 30 km de áreas verdes, protegidas.
Depois disso, dentro do DF, vêm as cidades satélites, que foram  projetadas, também como cidades modernistas, mas com uma qualidade  urbanística muito inferior. Entre elas estão Ceilândia, Taguatinga,  entre outras que serviram para erradicar as ocupações em Brasília. E,  por fim, fora do retângulo do DF, sem nenhum planejamento, nenhum tipo  de organização territorial, as cidades do entorno que hoje crescem muito  mais do que o plano piloto e as cidades satélites.
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