terça-feira, 15 de janeiro de 2013

PROTEGER O PLANO PILOTO NÃO É FRESCURA

Segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Filha de Lúcio Costa, Maria Elisa Costa questiona projetos como o da 901 Norte e também as pressões do setor imobiliário sobre a administração do Distrito Federal; na entrevista, ela critica ainda a contratação de uma consultoria em Cingapura para o novo planejamento urbano de Brasília.

Filha de Lúcio Costa, Maria Elisa Costa concedeu uma entrevista ao blog de Chico Sant'anna, colunista do 247, em que aborda vários temas, como o planejamento urbano de Brasília, e questões espinhosas, como a construção da 901 norte e a contratação de uma consultoria em Cingapura. Confira abaixo:

Blog - Na década de 80, durante o governo de José Aparecido em Brasília, seu pai visitou a cidade e apontou áreas para onde ela poderia crescer e definiu como. O trabalho ficou conhecido como Brasília Revisitada. Em sua opinião, desde então, as idéias de seu pai foram bem aplicadas? Onde houve acerto? Onde houve desacerto?

Maria Elisa Costa - Brasília Revisitada contem uma série de sugestões. O “Sudoeste’” foi implantado logo, e obedece ao proposto, com uma lamentável exceção: As faixas de 20 circundando as superquadras existem, mas ali nunca foi plantada uma árvore! 
Já para o “Noroeste”, o projeto – recente – foi feito por conta própria, não respeitou a proposta (inclusive indicada graficamente) em Brasília Revisitada. (A título de exemplo: Superquadra NÃO É lugar de passagem, por isso tem entrada única para veículos; as “superquadras” do Noroeste não são superquadras, tem entrada e saída....) As demais propostas, acho que envelheceram, diante do rumo tomado pela expansão urbana do DF.

Blog - Seu pai, se pudesse fazer hoje uma nova “revisita” a Brasília, como você crê que ele reagiria?

Maria Elisa Costa - Seguramente ficaria emocionado ao entrar no Eixão, vindo do aeroporto... passando pelo burburinho da Rodoviária e descendo a Esplanada até à Praça dos Três Poderes...  e de lá olhando o por do sol atrás da Torre de TV! No mais, não me arrisco!

Blog - Em sua opinião, Brasília está sendo bem tratada? Há risco de se perder a originalidade do que foi este projeto urbanístico?

Maria Elisa Costa - Nos últimos tempos, não tenho achado Brasília bem tratada... Falta cuidado cotidiano, e se a originalidade do projeto não se perde, é porque a proposta é forte, e ainda porque os moradores de Brasília gostam da cidade. 
O Brasil como um todo – e os brasilienses em particular – precisam dar valor à sua cidade, como nós, cariocas, damos ao Rio! Brasília é capital do BRASIL, e não de um mero estado da Federação de nome Distrito Federal.

Blog - Há por parte do atual governo rotinas de consultas aos técnicos herdeiros e responsáveis pela preservação do projeto de Lúcio Costa?

Maria Elisa Costa - Isso nunca houve (e nunca me passou pela cabeça, aliás!). A rigor, a preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro (Brasília inclusive) incumbe ao IPHAN, não é coisa de família...

Blog - Em sua opinião, onde residem as maiores agressões ao projeto de Brasília, ou onde estão as mais graves ameaças ao projeto?

Maria Elisa Costa - Em Brasília Revisitada Lucio Costa faz uma afirmação fundamental: “A Brasília não interessa ser grande metrópole.”  
Ou seja, as ameaças se concretizam rapidamente em agressões, como por exemplo, aumentando desmesuradamente gabaritos perto demais da área de entorno do bem tombado (no Guará, por exemplo, prática aliás inaugurada pelo partido urbano ostensivamente oposto a Brasília do projeto de Aguas Claras...).
E não se pensa seriamente em implantar atividades geradoras de emprego além de Taguatinga/Ceilândia, etc.)

Blog - O segmento empresarial imobiliário brasiliense, a seu ver, tem algum compromisso em preservar a cidade, ou eles são os grandes vilões?

Maria Elisa Costa - A grande vilã do planeta, em todas as áreas, se chama GANÂNCIA. Seja no setor imobiliário ou em qualquer outro – depende das pessoas, a doença é global...

Blog - A classe política de Brasília, em especial a que hoje se situa no Palácio do Buriti e na Câmara Legislativa, tem a clareza suficiente para entender a importância cultural de Brasília. Ela é efetivamente compromissada com o projeto?

Maria Elisa Costa - Sou do tempo em que a capital era o Rio de Janeiro, a presidência da República nomeava um prefeito para cuidar da cidade, e havia uma câmara de vereadores eleita, para defender os interesses dos moradores. Se o prefeito não desse conta do serviço, trocava-se o Prefeito....
Ou seja, quem tomava conta do Distrito Federal tinha uma cabeça prioritariamente administrativa. Já com essa idéia insólita de considerar o DF um Estado (de mentira, porque ele não se sustenta, quem paga as contas é a mamãe-federal), com governador eleito, a meu ver, não funciona - cabeça de governador é prioritariamente política...

Blog - Áreas como a quadra 901 Norte, hoje não ocupadas, e os Setores Hoteleiros Norte e Sul – onde coexistem prédios de pequeno porte e outros de mais de 10 andares, poderão ter seus projetos modificados para abrigarem hotéis de 10 a 14 andares? Como a senhora analisa este fato?

Maria Elisa Costa - Os setores hoteleiros originais, sim, inclusive com introdução de comércio de gabarito baixo... 
Já a 901 Norte não, ela não faz parte do centro urbano original, não deve admitir, em nenhuma hipótese, gabarito superior a cerca de 15 metros... – já quanto aos usos, e mesmo taxa de ocupação, flexibilização é possível - questão de bom senso.... 
E o Setor de Autarquias Norte, que admite gabaritos altos? Está desocupado até hoje... mistérios de Brasília.

Blog - Além do Plano Piloto, tombado, as cidades satélites estão sofrendo com grandes transformações urbanísticas. Há prédios em Águas Claras que chegam a 30 andares. Cidades satélites destinadas a camadas sociais menos favorecidas, como Gama e Samambaia, já possuem espigões de 20 andares de altura. De que forma esta transformação ajuda a preservar ou impacta na preservação do Plano Piloto.

Maria Elisa Costa - A expansão urbana de Brasília acontece como em qualquer cidade brasileira, ao sabor dos interesses do momento. Hoje, é a mania de gabaritos altos, mesmo quando não há nenhuma pressão urbana que o justifique – acontece em todas as cidades de porte médio – lamentável! (a meu ver, mais um produto da GANÂNCIA...) 
O planejamento urbano do DF deveria lembrar-se que se trata da CAPITAL DO PAÍS !!!Preservar o Plano Piloto não é uma “frescura” cultural! É respeitar um momento extraordinário da nossa história em que a vontade política (JK), a capacidade realizadora (Dr. Israel) e o talento (Lucio e Oscar) se uniram a favor do Brasil!

Blog - Na nova Lei de Uso e Ocupação do Solo – Luos, enviada pelo Governo do Distrito Federal à Câmara Legislativa, setores, como os das Mansões Park Way, originalmente previstas como “suburbanas” e destinadas ao cinturão verde da Capital estão tendo sua destinação alterada para receber, inclusive, empreendimentos comerciais e as áreas verdes ali localizadas serão passiveis de edificação. Que impacto isso pode trazer à cidade?

Maria Elisa Costa - Tenho acompanhado a reação contrária dos moradores, mas não conheço a proposta. E sempre tenho tendência a desconfiar de improvisos, sinto falta de uma orientação global inteligente em relação ao conjunto do DF.

Blog - O GDF contratou junto a uma empresa de Cingapura, a Jurong, a elaboração de projetos urbanísticos em cinco áreas do Distrito Federal – como por exemplo, o Núcleo Rural do Tororó – todas elas exploradas atualmente por atividades rurais, ou mesmo sem qualquer uso do solo. A senhora crê na possibilidade de que a ocupação do solo de forma progressiva, como vem ocorrendo no DF, possa provocar problemas de desabastecimento de água potável. Que impactos poderemos ter quanto a esgoto e impermeabilização do solo?

Maria Elisa Costa - Acho que a contratação de uma firma particular, ainda mais de um lugar que não tem nada a ver com a realidade brasileira, para definir os rumos da expansão urbana do Distrito Federal uma aberração. 
A responsabilidade de planejar o rumo a seguir, a meu ver, é atribuição do poder publico, através de uma secretaria de planejamento competente, capaz de definir, orientar e fiscalizar a execução dos serviços que venha a terceirizar.  

Blog - Como a Senhora analisa a contratação de uma empresa de planejamento urbanístico estrangeira para traçar os projetos do crescimento urbano do DF, sem a realização de um concurso técnico ou mesmo uma licitação pública?

Maria Elisa Costa - Você acharia admissível que a Prefeitura de Paris contratasse uma firma de um país longínquo, sem ter nenhuma intimidade com seus problemas, para planejar a expansão urbana da chamada “Région Parisienne”? Duvido !

Blog - Como técnica, que juízo de valor a senhora faz da empresa Jurong?

Maria Elisa Costa - Nunca ouvi falar da empresa Jurong. Devolvo a pergunta: de onde surgiu esse lance do GDF com a Empresa Jurong? 
A proposta da Jurong tem em vista estimular a expansão urbana do Distrito Federal. Só que, como dizia Lucio Costa, “a Brasília não interessa ser grande metrópole” ...  Resta saber a quem interessa.

Blog - Passados 52 anos, a senhora diria que a população de Brasília está distanciada da utopia que foi o projeto da cidade e que não aporta a ele o mesmo carinho e sentimento?

Maria Elisa Costa - O projeto de Brasília não foi uma utopia, foi uma extraordinária realização de carne e osso da Nação brasileira. Acho que a população, agora já nascida na cidade em sua maioria, tem um enorme carinho pela cidade.

Blog - Se lhe fosse pedido para pensar o futuro urbanístico do DF, que valores norteariam o seu raciocínio? A senhora optaria em adensar áreas já existentes, com verticalização dos imóveis, ou manteria os gabaritos atuais e abriria novos espaços urbanos? Brasília tem um limite de crescimento populacional? Ela é uma cidade já consolidada ou precisa sempre está crescendo? 

Maria Elisa Costa - Procuraria, antes de qualquer coisa, mobilizar todos os meios possíveis par criar emprego fora do Plano Piloto. Certamente, na medida do possível, não estimularia o crescimento da cidade... E teria que estudar muito bem a realidade atual, para saber como lidar com a expansão urbana. 
Desde logo, fica claro que há duas situações urbanas diferentes justapostas: o que eu chamaria de “Grande Brasília” cujo núcleo principal é Taguatinga, e a área de Brasília propriamente dita, ou seja, a área tombada e seu entorno, delimitado pelo divisor de águas da bacia do Paranoá. 
Na realidade, o que é bom como legislação para uma, não serve para a outra! Daí, ter me ocorrido há algum tempo que o DF deveria ter dois Prefeitos, em lugar de um Governador: uma prefeitura para cuidar da “Grande Brasília”, com sede em Taguatinga, prefeito eleito e câmara de vereadores, como nas demais cidades brasileiras; e a outra para tomar conta de Brasília propriamente dita, CIDADE-CAPITAL DO PAÍS, com prefeito nomeado pela Presidência da República e representação popular através das Associações de Moradores – como se fosse um “Território Federal” dentro do Distrito Federal. 
De qualquer forma, deve ficar claro: na área de Brasília-Plano Piloto e seu entorno quem manda é a preservação; gabaritos altos só mesmo bem afastados dos limites da área de proteção. E para a grande Brasília, um planejamento urbano tradicional, como se faz em todas as cidades... 
É preciso acrescentar que, seja no caso de governador ou de prefeitos, por se tratar, na realidade, não de um estado, mas da CAPITAL DA REPÚBLICA, toda e qualquer decisão relativa a uso e ocupação do solo dentro da área do Distrito Federal só deveria ser implantada depois de exame isento de suas implicações, por um órgão técnico diretamente ligado à Presidência da República.


FONTE: Blog do Chiquinho Dornas 

Um comentário:

Anônimo disse...

Um absurdo não pensar no futuro de Brasília! Cingapura já! Nem que seja em uma região fora do plano piloto. Gabaritos baixos são para edifícios residenciais; arranha-céus corporativos de um CBD, precisam se destacar no SKYLINE como cartão postal da cidade, assim como Nova Iorque (possui o espaço aéreo mais movimentado do mundo), Chicago, Toronto, Paris, Londres, cidades como a emergente Shanghai e até cidades do interior dos EUA. Atraso não! Futuro já!