de Roberto
Ghione*
Que irão falar de nós, enquanto arquitetos e urbanistas,
daqui a 50, 100 ou mais anos? Como irá progredir a evolução (ou involução) da
arquitetura e das cidades? Será considerada nossa reação a um sistema que teima
em perdurar a banalidade e vulgaridade globalizadas? Ou seremos classificados
como uma geração complacente com o poder econômico e incompetente para resolver
os problemas e desafios das nossas cidades e do nosso planeta? A arquitetura
assumirá sua condição de serviço à sociedade? Ou continuará sendo objeto de
manipulação dos interesses do mercado? Seremos capazes de reivindicar a emoção
oculta atrás de tanta burocracia e tecnocracia?
Temos pela frente enormes desafios que hoje se manifestam
de modo emergencial na crise de urbanidade e civilidade das nossas cidades. A
persistência da desigualdade e injustiça social tornou-se o pivô em torno do
qual giram os problemas cotidianos: exclusão, violência, imobilidade, desprezo
pela convivência em espaços públicos qualificados, jogo de interesses na
definição das políticas urbanas e na construção da cidade. A reação torna-se
iminente com políticas de integração social e de reivindicação do planejamento
e de um projeto de cidade, ainda ausente na cultura politiqueira e imediatista.
Mas o legado do nosso tempo é a imagem da cidade que
estamos construindo. Quase sem exceção, as cidades brasileiras estão unificando
e mediocrizando suas imagens e paisagens urbanas com uma “camada” de
arquitetura imobiliária banal e repetitiva, baseada na lógica míope da
exploração do potencial construtivo e dos interesses do mercado. Essa camada de
arquitetura, produzida nas últimas décadas, sepulta, invariavelmente, os
elementos da paisagem natural ou da evolução cultural, que por suas
características, constituem os suportes da identidade social e urbana.
As leis de edificação, baseadas na ideologia extrativa da
potencialidade econômica fundiária, ignoram supinamente a configuração da
paisagem urbana. A imagem da cidade configura-se pela dimensão dos terrenos da
malha parcelada. O resultado é a fragmentação e heterogeneidade produzida por
uma visão tecnocrática do planejamento, que atende exclusivamente aos
interesses imobiliários, com total desapego pela integração social e pela
construção de espaços urbanos que propiciem a convivência civilizada.
O legado em construção reflete o egoísmo e arrogância de
uma sociedade doente em consumo, interesseira e excludente. Os prejuízos de tal
ideologia se rebatem contra os próprios cidadãos ditos privilegiados,
condenados a morar trancados em condomínios fechados ou em edifícios
defensivos, a sofrer os cotidianos engarrafamentos de trânsito – com a
conseqüente perda de produtividade, tempo e saúde – e a fomentar uma cultura de
segregação e intransigência social.
A sociedade, hoje mais esclarecida, tem tomado
consciência do sistema perverso e já reclama mudanças merecidas. O momento de
construir um novo legado é agora, se temos a pretensão de iniciar um processo
de efetiva reivindicação geracional, urbana e social.
O desafio é essencialmente político e será resolvido com
progressiva ascensão social e elevação dos níveis de educação. Uma sociedade
consciente do poder e oportunidade de transformar a realidade na orientação dos
sonhos coletivos, estimulada a cobrar decisões políticas conseqüentes com a
dignidade social e reivindicar o direito à cidade será o suporte para a
construção do legado de grandeza que o país merece.
* Roberto Ghione é arquiteto e urbanista.
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