quinta-feira, 10 de outubro de 2013

ARTIGO: Os Falsos “Arquitetos”

Letícia Reginato*

Diante da constante banalização do termo “arquitetura” é preciso que seja feita uma reflexão do que realmente nós, arquitetos e urbanistas podemos fazer para conter essa onda de pseudos profissionais que estão no mercado vendendo projetos de “decoração de interiores” ou “design de interiores”.

Tenho visto inúmeras escolas, oferecendo cursos profissionalizantes de “Decoração de Interiores” onde em apenas um ano, é possível aprender a realizar desenhos de plantas, projetos luminotécnicos, detalhamentos técnicos e construtivos, projetos de clínicas e consultórios, projetos comerciais, e claro, os projetos residenciais. Conhecimentos banais, como o “disco das cores”, combinações de revestimentos, qual cortina ou tapete combina melhor com o sofá, são em grande escala, o conteúdo transmitido para as pessoas que procuram esses cursos e o pior de tudo, é que logo após formadas, essas mesmas pessoas, vão para o mercado de trabalho e acabam utilizando de termos como “arquitetura” para definir as suas atividades profissionais. Até em mostras onde a arquitetura se faz presente, é possível ver o trabalho dos “falsos arquitetos”. Exemplo disso é a franquia Casa Cor, que permite que decoradores e designers de interiores façam intervenções que vão além de uma simples composição de espaço com mobiliários.

O pior de tudo é que essa “racionalização” de conhecimento é vista como algo simples a ser absorvido por aqueles que resolvem entrar no mercado, que em apenas um ou dois anos, será possível realizar projetos onde poderão utilizar aquilo que aprenderam, e de fato, é o que acaba ocorrendo. Porém tenho certeza, que em nenhum momento desses cursos que encontram-se a disposição e não solicitam nenhum pré-requisito para realização de matrícula, é mencionado algum código de ética e conduta com relação ao que é ou não responsabilidade de um Decorador, e é aí que mora o perigo.

Remover paredes, realizar projetos elétricos, verificar a execução de serviços de mão de obra terceira, indicar o melhor acabamento ou material a ser utilizado em determinado projeto, com certeza não são conhecimentos técnicos que se aprendem em cursos de decoração. Ao todo, são necessários de 5 a 6 anos para que além desses conhecimentos, aprendam-se outros, tão importantes como os mencionados anteriormente, como o desenvolvimento conceitual de um projeto, detalhamentos técnicos e construtivos, como cortes ou cortes de pele, sistemas estruturais, teoria e história das civilizações antigas e outros mais, que fazem parte, única e exclusivamente de um curso de graduação, com quase 3.925h/aula. Não é preciso entrar no mérito dos conhecimentos pertinentes as questões urbanísticas e paisagísticas, pois esses são transmitidos somente pela academia.
É necessário então, que de fato tenha-se um controle rigoroso, com relação aos profissionais que utilizam-se das competências exclusivas dos arquitetos, para que o consumidor e a sociedade não sofram danos que podem, em muitos casos, serem fatais. Uma simples reforma em uma sala pode-se transformar em um problema gravíssimo, se um decorador ou designer resolve, sem conhecimento algum, retirar uma viga ou elemento estrutural que faça parte desse ambiente, simplesmente pelo fator estético.

Devemos lutar pelos direitos da nossa profissão, exigindo além do respaldo da lei, que já é realizado pelas instituições como CAU, IAB ou AAI/RS, uma maior fiscalização com relação aos profissionais que atuam no mercado. A sociedade também deveria ser melhor orientada com relação a isso, pois para o leigo e dependendo de seu nível cultural – nível sócio econômico não necessariamente está ligado a cultura – a diferença de um decorador para um arquiteto quase não existe.

Deveria ser cobrado de todo profissional denominado Decorador ou Designer de Interiores, que para a realização de projetos a associação com um arquiteto deva ser realizada, para que haja um registro de responsabilidade técnica e a mesma situação deveria ser aplicada quando existem mostras de Arquitetura, uma vez que futuros clientes procuram por esses profissionais em eventos dessa natureza.
É preciso mostrar para a sociedade a importância, que nós arquitetos e urbanistas temos e que a arquitetura vai além da decoração e da combinação cores.

A boa arquitetura é o resultado das competências e deveres do arquiteto para com aqueles que buscam os seus serviços, onde o resultado é a concepção e execução de espaços e lugares pensados não somente para atender as questões estéticas, mas também práticas e funcionais, porém essas questões somente serão atendidas, se puderem contar com o olhar técnico e profissional dos verdadeiros arquitetos.

* Letícia Reginato é Arquiteta e Urbanista

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