Letícia Reginato*
Diante da constante banalização do
termo “arquitetura” é preciso que seja feita uma reflexão do que realmente nós,
arquitetos e urbanistas podemos fazer para conter essa onda de pseudos
profissionais que estão no mercado vendendo projetos de “decoração de interiores”
ou “design de interiores”.
Tenho visto inúmeras escolas,
oferecendo cursos profissionalizantes de “Decoração de Interiores” onde em
apenas um ano, é possível aprender a realizar desenhos de plantas, projetos
luminotécnicos, detalhamentos técnicos e construtivos, projetos de clínicas e
consultórios, projetos comerciais, e claro, os projetos residenciais.
Conhecimentos banais, como o “disco das cores”, combinações de revestimentos,
qual cortina ou tapete combina melhor com o sofá, são em grande escala, o
conteúdo transmitido para as pessoas que procuram esses cursos e o pior de
tudo, é que logo após formadas, essas mesmas pessoas, vão para o mercado de
trabalho e acabam utilizando de termos como “arquitetura” para definir as suas
atividades profissionais. Até em mostras onde a arquitetura se faz presente, é
possível ver o trabalho dos “falsos arquitetos”. Exemplo disso é a franquia
Casa Cor, que permite que decoradores e designers de interiores façam
intervenções que vão além de uma simples composição de espaço com mobiliários.
O pior de tudo é que essa
“racionalização” de conhecimento é vista como algo simples a ser absorvido por
aqueles que resolvem entrar no mercado, que em apenas um ou dois anos, será
possível realizar projetos onde poderão utilizar aquilo que aprenderam, e de
fato, é o que acaba ocorrendo. Porém tenho certeza, que em nenhum momento
desses cursos que encontram-se a disposição e não solicitam nenhum
pré-requisito para realização de matrícula, é mencionado algum código de ética e
conduta com relação ao que é ou não responsabilidade de um Decorador, e é aí
que mora o perigo.
Remover paredes, realizar projetos
elétricos, verificar a execução de serviços de mão de obra terceira, indicar o
melhor acabamento ou material a ser utilizado em determinado projeto, com
certeza não são conhecimentos técnicos que se aprendem em cursos de decoração.
Ao todo, são necessários de 5 a 6 anos para que além desses conhecimentos,
aprendam-se outros, tão importantes como os mencionados anteriormente, como o
desenvolvimento conceitual de um projeto, detalhamentos técnicos e
construtivos, como cortes ou cortes de pele, sistemas estruturais, teoria e
história das civilizações antigas e outros mais, que fazem parte, única e
exclusivamente de um curso de graduação, com quase 3.925h/aula. Não é preciso
entrar no mérito dos conhecimentos pertinentes as questões urbanísticas e
paisagísticas, pois esses são transmitidos somente pela academia.
É necessário então, que de fato
tenha-se um controle rigoroso, com relação aos profissionais que utilizam-se
das competências exclusivas dos arquitetos, para que o consumidor e a sociedade
não sofram danos que podem, em muitos casos, serem fatais. Uma simples reforma
em uma sala pode-se transformar em um problema gravíssimo, se um decorador ou
designer resolve, sem conhecimento algum, retirar uma viga ou elemento
estrutural que faça parte desse ambiente, simplesmente pelo fator estético.
Devemos lutar pelos direitos da nossa
profissão, exigindo além do respaldo da lei, que já é realizado pelas
instituições como CAU, IAB ou AAI/RS, uma maior fiscalização com relação aos
profissionais que atuam no mercado. A sociedade também deveria ser melhor
orientada com relação a isso, pois para o leigo e dependendo de seu nível
cultural – nível sócio econômico não necessariamente está ligado a cultura – a
diferença de um decorador para um arquiteto quase não existe.
Deveria ser cobrado de todo
profissional denominado Decorador ou Designer de Interiores, que para a
realização de projetos a associação com um arquiteto deva ser realizada, para
que haja um registro de responsabilidade técnica e a mesma situação deveria ser
aplicada quando existem mostras de Arquitetura, uma vez que futuros clientes
procuram por esses profissionais em eventos dessa natureza.
É preciso mostrar para a sociedade a
importância, que nós arquitetos e urbanistas temos e que a arquitetura vai além
da decoração e da combinação cores.
A boa arquitetura é o resultado das
competências e deveres do arquiteto para com aqueles que buscam os seus
serviços, onde o resultado é a concepção e execução de espaços e lugares
pensados não somente para atender as questões estéticas, mas também práticas e
funcionais, porém essas questões somente serão atendidas, se puderem contar com
o olhar técnico e profissional dos verdadeiros arquitetos.
* Letícia Reginato é Arquiteta e Urbanista
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