terça-feira, 15 de outubro de 2013

ENTREVISTA: CAU/RJ entrevista Luiz Fernando Janot, Conselheiro Titular

Além de Conselheiro Titular do CAU/RJ, o arquiteto urbanista Luiz Fernando Janot é professor da FAU-UFRJ e Membro do Conselho Superior do IAB. “Acredito que, nos dias de hoje, o arquiteto e o urbanista devem ampliar o seu perfil generalista através de uma formação humanística abrangente que incorpore conhecimentos atualizados de história, filosofia, antropologia, sociologia, economia, comunicação social, política e arte. Sem essa perspectiva abrangente, dificilmente o arquiteto conseguirá enfrentar a complexidade dos desafios que são impostos no mundo contemporâneo”, avalia Janot sobre os novos rumos da profissão.

Foto: CAU/RJ

1. Nestes últimos 20 anos quais as transformações sofridas pela categoria? 
Somente a partir do Renascimento e, mais tarde, com o advento da sociedade industrial é que a profissão do arquiteto alcançou um efetivo reconhecimento. Lamentavelmente, nos últimos anos, a profissão perdeu parte desse prestígio conquistado. De certa forma por força do determinismo econômico que predomina nas sociedades contemporâneas e que fez com que os padrões da arquitetura se estabeleçam a partir de parâmetros mercadológicos. Nesse processo, a maioria dos arquitetos desempenha um papel secundário na produção das edificações e da própria cidade. Não se pode esquecer o mercado imobiliário informal que se instalou nas favelas e loteamentos irregulares, onde a participação dos arquitetos é praticamente nula. Não há como sobreviver como arquiteto da exceção ou da exclusividade. É preciso conquistar novos espaços, novos mercados, especialmente numa escala de abrangência mais social.

2. Neste mesmo período, em função dos avanços tecnológicos, em particular a informática, quais as mudanças mais expressivas ocorridas no exercício da profissão?
Não há como negar a importância dos avanços tecnológicos em qualquer profissão. Na arquitetura e no urbanismo, a informática introduziu, sem dúvida, um salto qualitativo na aquisição de conhecimentos, na maneira de pesquisar e, sobretudo, na elevação do nível de qualidade da representação gráfica dos projetos. A introdução de novas tecnologias associadas ao desenvolvimento de novos materiais de construção contribuiu para os arquitetos inovarem nas soluções arquitetônicas de seus projetos. Os sistemas estruturais de grande porte são os que melhor refletem esses avanços tecnológicos.

3. Como resultado das perguntas anteriores, como você avalia os novos rumos da profissão em relação ao exercício e também ao produto arquitetônico?
Acredito que, nos dias de hoje, o arquiteto e o urbanista devem ampliar o seu perfil generalista através de uma formação humanística abrangente que incorpore conhecimentos atualizados de história, filosofia, antropologia, sociologia, economia, comunicação social, política e arte. Sem essa perspectiva abrangente, dificilmente o arquiteto conseguirá enfrentar a complexidade dos desafios que são impostos no mundo contemporâneo. Por sua vez, as especializações complementares se tornaram indispensáveis para atualizar conhecimentos e adquirir outros que decorrem dos avanços tecnológicos.

4. Em sua opinião, como deve ser a posição de nossas entidades em relação a presença de escritórios e empresas de projetos estrangeiras no mercado de trabalho brasileiro?
Mercado de trabalho no mundo contemporâneo é uma questão muito mais complexa do que se imaginava e se tratava há alguns anos atrás. A globalização econômica desconstruiu as bases trabalhistas tradicionais e desmantelou a maioria dos sistemas sindicais. Diante dessa realidade mundial, a questão trabalhista e a reserva de mercado adquiriram um espectro bem mais amplo do que aquele que as entidades de classe estavam acostumadas a lidar. Hoje, essa questão passa necessariamente pelas políticas de comércio exterior e pela regulação internacional de acordos que envolvem complexas estruturas diplomáticas. No nosso caso específico, há que se examinar, caso a caso, a forma de participação de escritórios estrangeiros no Brasil antes de se adotar uma posição ideologicamente liberal ou restritiva à atuação desse contingente profissional estrangeiro. A troca de experiências e conhecimentos sempre foi bem vinda. A parceria com escritórios brasileiros, desde que devidamente legalizada, pode ser uma alternativa para evitar o papel de “testa de ferro” assumido com muito orgulho por deslumbrados arquitetos.

5.Com a saída dos arquitetos e urbanistas do sistema CREA/CONFEA e a criação do CAU – lei Nº 12.378 – como deverá se dar a divisão de atuação das demais entidades dos arquitetos?
Como diz a gíria popular, “cada um no seu quadrado”. O CAU é uma autarquia federal voltada para a regulação e fiscalização do exercício profissional. O IAB, por tradição, tem um papel relevante na discussão cultural da arquitetura e nas questões que envolvem o desenvolvimento urbano das cidades. A ASBEA, a ABEA e a ABAP são associações que representam seus respectivos segmentos profissionais com interesses específicos. Aos sindicatos compete assegurar a defesa dos interesses trabalhistas dos seus associados. Nesse momento, o importante é congregar essas entidades representativas dos arquitetos para que interajam em benefício da categoria, sempre respeitando as suas diferenças e particularidades.

6. Como deverá ser equacionado o sombreamento da atuação profissional entre o arquiteto e o engenheiro civil, já que agora estão filiados em Conselhos próprios?
O sombreamento sempre existirá enquanto não estiver consolidada a atuação do CAU. Na prática, sempre que for impossível alcançar um consenso, como determina a legislação em vigor, não restará alternativa senão delegar ao poder judiciário a tarefa de dirimir as questões omissas e as que, porventura, interfiram no exercício das duas profissões. O objetivo é assegurar os direitos respectivos criando a jurisprudência necessária.

7. Para efetiva aplicação das atribuições profissionais definidas pela Lei Nº 12.378, quais deverão ser as modificações no ensino de Arquitetura de modo adequá-lo ao que estabelece a lei?
A Constituição Federal confere às Universidades a total autonomia didática e científica. Estabelece, também, que as ações de avaliação, regulação e supervisão do Ensino Superior no Brasil competem, exclusivamente, ao MEC. Portanto, não cabe ao CAU promover modificações no ensino de arquitetura e urbanismo. O máximo que o CAU pode fazer é sugerir alterações nas “Diretrizes Curriculares” que serviram de base, por ocasião da elaboração da Lei 12.378/10, para definir as atribuições profissionais dos arquitetos e urbanistas. Não me agrada qualquer atitude intervencionista do CAU em áreas que não são da sua alçada. Cabe às Instituições de Ensino Superior discutir os seus currículos e adequá-los às especificidades da profissão.

8. Qual a sua opinião sobre a Política Habitacional e Urbana desenvolvida hoje no país?
Mesmo admitindo os avanços alcançados com a criação do Ministério das Cidades e a vigência do “Estatuto da Cidade” falta muito para superar o contraste perverso existente entre a cidade formalmente constituída e a cidade informal representada pelas favelas e loteamentos irregulares. O programa “Minha Casa Minha Vida”, lamentavelmente, na maioria das vezes, despreza a boa qualidade dos projetos arquitetônicos e da própria construção. No tocante à urbanização, percebem-se os mesmos erros do passado quando se vê grandes conjuntos habitacionais implantados em áreas afastadas da cidade e carentes de infraestrutura. Falta integração entre moradia e cidade. Nesse aspecto, deveria ser dispensada uma maior atenção aos programas de urbanização das favelas visando a sua integração ao espaço urbano no seu entorno.

9. Como você classifica a qualidade da produção arquitetônica e urbanística em nossas cidades e até onde vai a responsabilidade dos arquitetos nestes projetos e obras?
A maioria das cidades brasileiras possui uma produção arquitetônica de péssima qualidade. As exigências para diminuir os custos e a imposição de modelos arquitetônicos medíocres pelas empresas do mercado imobiliário têm contribuído significativamente para o comprometimento da qualidade das edificações e da cidade. Nem sempre os arquitetos são coniventes com esse processo especulativo. Todavia, perderam o poder de convencimento que possuíam, inclusive em obras sob sua responsabilidade. O poder público, por sua vez, também é culpado pela baixa qualidade arquitetônica das edificações. Ao produzir uma legislação excessivamente complexa e burocrática se torna incapaz de reverter a perda de qualidade na tentativa de valorizar a boa imagem da cidade.

10. Quais deveriam ser as medidas concretas e objetivas de alteração da Lei Nº 8.666 para que seja garantido o Concurso Público de Projetos como forma usual de licitação e contratação?
Antes de qualquer coisa há que se demonstrar a importância do projeto arquitetônico completo – incluindo os projetos complementares – nas licitações de obras públicas visando estabelecer orçamentos precisos, prazos coerentes, um controle efetivo da execução da obra, além de propiciar uma obra de melhor qualidade. No momento, o principal é conscientizar a sociedade e despertar o interesse político para que seja assegurada a obrigatoriedade de concursos públicos de arquitetura e urbanismo em obras públicas acima de um determinado valor. Ou em obras que possuam importância estratégica para a cidade. A lei 8.666/93 está em discussão no Congresso Nacional e, ao nosso ver, a oportunidade é essa.

FONTE: CAU/RJ

Nenhum comentário: