Uma homenagem a Jacques
Alfonsin, quando ele recebe a Medalha Negrinho do Pastoreio.
Vinicius
Galeazzi*
De
repente, me flagro sonhando acordado.
Um
devaneio sem rumo, como daqueles de quem não tem nada para fazer. Nada de útil,
diriam. Como se sonhar acordado não fosse de uma utilidade imensa, porquanto
nos exercita para o criativo e para enfrentar a luta impossível. Para chegar em
segundos a resultados tão precisos e mirabolantes sonhar acordado exige do nosso
cérebro uma operação neurológica complexa, sofisticada e produtiva. Numa
situação semiconsciente que liga, desliga e religa fatos e ficção e nos larga
solto lançante abaixo permeando imaginação e racionalidade. Sem compromisso,
acordado na cama, esperando o sono ou despertado sem perceber, aí o mundo real,
forte e inquebrantável se desmantela e se refaz diferente e inconsequente, como
brincadeira de criança.
Pois
num destes, vejo com muita clareza e convicção, minha neta Isabela, assim
caminhando, meio desengonçada, com seus um ano e dois meses, de mãos dadas,
meio puxando, a Gabriela, de nove meses, que já dá seus passinhos. Isabela mora
na Cidade Baixa e a Gabriela na Vila União Santa Teresa, mas caminham, caem,
engatinham, se levantam e vão de novo rumo ao caixão de areia do parquinho do
Parque do Morro Santa Teresa. Se sentam na grama, se levantam, se
equilibram e tentam, de novo, caminhar juntas e caem e tudo outra vez. Passa um
velhinho de barbas brancas e lhes diz: Coragem. E como as crianças não se
questionam sobre prazos, tempo, até quando, essas coisas enfim, continuam
engatinhando um pouco, se levantam, andam meio escoradas uma na outra e assim
vão. Enfim, sentam e começam a olhar longe, sem saber quanto são felizes de
poder desfrutar aquela vista deslumbrante e gratuita, aberta a todos, de tanto
céu, tanta água, tanto horizonte, tanto verde e tanta história. Tanta vida.
Pois
noutro, vejo pessoas entrando apressadas em contêineres alinhados na calçada da
avenida apressada. Em cada um, há um painel eletrônico onde está escrito origem
e destino: Conteudor 437 rumo 533, padrão C. Uma luz acende, se ouve um
sinal e a porta se fecha e logo estaciona um caminhão com grandes alças
mecânicas que recolhe esse conteudor, deposita outro no lugar e leva aquele ao
seu destino rapidamente. Do conteudor recém chegado saem pessoas, enquanto se
vê que, no painel, mudou a origem e o destino e outros começam a entrar.
Num conteudor padrão A, onde há poltronas, venda automática de café,
refrigerantes, lanches e revistas, uma pessoa lê no jornal Nova Ordem a notícia
de que o Mercado, em reunião recente, decidiu aumentar o tamanho dos
conteudores D, pois as estatísticas dão conta que é crescente o número dos seus
usuários.
Acontece
que sonhando acordado, o possível e o impossível se equilibram na mesma corda
bamba. O possível é o mais forte, nos impondo o imutável e propaga que é o
natural, o normal, o legal. Mas há uma coisa na gente, não sei se é o tal
sentido da sobrevivência, ou o tal jus sperniandi que, mesmo sem
nenhuma esperança ou possibilidade racional de êxito, faz continuar a
querer um sonho impossível, movido por uma força que vem sei lá de onde. Aí vem
João Cabral de Melo Neto e diz: “Muita diferença faz em se lutar com as mãos e
abandoná-las para trás”. Vem mais outro que diz: Coragem.
E
então a gente vai se dando conta que o mundo que temos depende de nossas
escolhas, mesmo que sejam impossíveis. Lutamos pelo que sonhamos ou o Mercado
se impõe implacável.
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