terça-feira, 11 de março de 2014

O lastimável estado dos monumentos de Porto Alegre

Vocês já repararam no estado dos monumentos de Porto Alegre? Quem chega à cidade e passeia pelas suas ruas, tentando apreciar as obras de arte públicas, deve ter pesadelos à noite. A situação da maioria dos nossos monumentos é simplesmente lamentável! Estão todos pichados, quebrados, muitas vezes com partes em falta.
Conforme o doutor em História da Arte e professor de Escultura do Atelier Livre, José Francisco Alves, o vandalismo nos monumentos se acelerou a partir do final da década de 1990 do século passado, há cerca de 15 anos, se intensificando a partir de 2004.
Monumento a Julio de Castilhos, um dos mais castigados pelo vandalismo. Foto: Gilberto Simon - Porto Imagem
Monumento a Julio de Castilhos, um dos mais castigados pelo vandalismo. Foto: Gilberto Simon – Porto Imagem
Um dos monumentos mais atingidos e, por sua expressividade plástica, mais danificado é o Monumento a Júlio de Castilhos. Inaugurado em janeiro de 1913, portanto com 101 anos, a obra de arte de Décio Villares agoniza na Praça da Matriz, um dos mais importantes pontos de atração da cidade.
Outros monumentos, como o Túnel do Túnel, da artista plástica Tina Felice, continua pichado numa das áreas mais visíveis da capital, a entrada do túnel da Conceição.
Outros exemplos do gritante descaso para com os monumentos de Porto Alegre, são as obras de arte de Xico Stockinger, na Praça Dom Sebastião e as 4 estátuas dos rios formadores do Guaíba, na mesma praça.
Ferrugem e pichações tomam conta da obra de Francisco Stockinger na Praça Dom Sebastião. Foto: Gilberto Simon - Porto Imagem
Ferrugem e pichações tomam conta da obra de Francisco Stockinger na Praça Dom Sebastião. Foto: Gilberto Simon – Porto Imagem
Mas quem são os responsáveis pela manutenção destas obras e por que não o fazem ? Boa pergunta. Atualmente a responsabilidade pela manutenção dessas peças está em fase de transição da Secretaria Municipal do Meio Ambiente para a Secretaria Municipal da Cultura. Mas nem todas elas possuem interesse cultural. Um inventário é necessário ser feito. Enquanto isso, as obras ficam entregues totalmente ao vandalismo e às intempéries sem qualquer trabalho de conservação.
Aqui, o Vinícius Vieira, que é presidente daAssociação dos Escultores do RS (AEERGS), além de membro titular das Artes Visuais do Fumproarte e vice-presidente doIAB-RS nos esclarece alguns pontos sobre a situação dos monumentos em Porto Alegre.

Para a Associação dos Escultores do RS, qual a importância das obras de arte públicas?

Vinícius Vieira: A Associação dos Escultores do Estado do Rio Grande do Sul – AEERGS, fundada em 2 de abril de 1982, é uma entidade sem fins lucrativos, que entre outras ações, atua de forma permanente em defesa da valorização das obras de arte de visualização pública, acreditando na importância das diferentes manifestações de artes visuais como instrumento de fortalecimento do protagonismo desse segmento na construção coletiva da sociedade no contexto histórico. A constante atuação da AEERGS nessa construção é motivada pelo fato de que as obras de arte públicas, quando valorizadas, se tornam bens de natureza material, portadores de referência de identidade e de memória das coletividades, constituindo-se como patrimônio cultural de nossa sociedade, marcando a paisagem urbana mediante diferentes manifestações culturais que retratam cada período da evolução urbana das cidades.

Como Porto Alegre vem tratando essas obras?

Vinícius: Assim como em outras capitais brasileiras ou em diversos municípios do interior do Rio Grande do Sul, Porto Alegre possui um volumoso acúmulo dos fatos que vêm marcando de maneira significativa sua evolução, demonstrado principalmente pela manifestação da arte pública edificada em diferentes contextos na história, que constituem um patrimônio singular, formado por obras espalhadas por toda a cidade. São com elas, por exemplo, que os turistas fazem seus registros fotográficos na busca de elementos que sintetizem o pensamento de uma época. São elas que tem o papel de registrar os acontecimentos históricos, “guardando” a memória da cidade.
Infelizmente, nos últimos anos, Porto Alegre vem passando por uma série de depredações das obras de arte presentes no espaço público da cidade. Tal fenômeno vem ocorrendo basicamente por dois motivos. Um deles é um problema crônico que permeia todas as áreas no Brasil, a educação. Outro, mais palpável, é o recente descaso do poder público municipal na manutenção de suas praças, parques e logradouros, que fez com que as comunidades de bairro não se sentissem mais pertencentes àqueles lugares, vindo a abandonar tais espaços de uso coletivo, abrindo caminho para a depredação paulatina.
São centenas de bustos, placas e outros objetos que estão desaparecendo do espaço público, sem falar nas pichações que assolam praticamente todas as esculturas de Porto Alegre. O caso mais emblemático é o Monumento a Júlio de Castilhos, a principal obra da cidade, localizada na Praça da Matriz, sob “os olhos” do Palácio Piratini, da Catedral Metropolitana, da Assembleia Legislativa, do Palácio da Justiça e do prédio em que reside o atual prefeito de Porto Alegre.

De que maneira a AEERGS pode contribuir para evitar que esse patrimônio continue sendo depredado?

Vinícius: Em caráter de urgência deveria ser consolidada, mediante ações efetivas, a Comissão Técnica Permanente de Gerenciamento e Avaliação das Obras de Arte, Monumentos e Marcos Comemorativos, criada pelo DECRETO Nº 17.838, DE 25 DE JUNHO DE 2012. Além de representantes da SMC e da SMAM, também deveriam integrar a Comissão representantes do IAB RS, da AEERGS, da Chico Lisboa, do Instituto de Artes-UFRGS e de outras entidades com reconhecida atuação na área. Dessa forma, se daria as condições de acesso a informação e de fiscalização, cabendo à referida comissão assessorar a Administração Municipal em todos os assuntos relacionados com a preservação dos monumentos e valorização dos espaços públicos do entorno deles, bem como a apreciação de novos projetos para a instalação de obras de arte.
Recentemente a responsabilidade sobre as obras de arte públicas de Porto Alegre migrou da SMAM para a SMC, e a referida Comissão ainda encontra-se em fase embrionária de implementação. Uma lástima, pois já não se tem tempo hábil para recuperar as obras de arte da capital nas vésperas da Copa do Mundo no Brasil. A partir da consolidação de um espaço aberto de debate, as entidades da sociedade civil organizada poderão dialogar em condições de igualdade com o poder público, apresentando soluções para o caso.
Uma das primeiras ações que a referida comissão poderia sugerir seria a imediata criação de um departamento específico para cuidar do tema, pois já se sabe que a falta de manutenção permanente acaba gerando um efeito dominó, pois se verifica que as depredações não são abruptas. Elas acontecem paulatinamente em cada lugar, ou seja, vão acontecendo dia-a-dia e, por falta de manutenção, anima os que depredam, estimulando assim que novos “ataques” tenham sucesso. Um exemplo positivo desse modelo já existe na cidade do Rio de Janeiro, que mantém um departamento permanente, atuando diariamente na limpeza e no restauro das obras, desestimulando assim àqueles que tenham a idéia de realizar danos ao patrimônio público daquela cidade.

Qual a expectativa com a participação das entidades nas decisões?

Vinícius: Com a participação da sociedade civil no debate mediante a referida Comissão, abrem-se novos caminhos para avanços, com o poder público municipal dividindo as decisões com as entidades e organizações que lutam pela defesa do patrimônio. As ações conjuntas podem contribuir para que seja reassegurado aos cidadãos a permanência de seus referenciais básicos, da continuidade de sua história, da constância de sua vida e de sua cultura. Dessa maneira, com a participação popular, poderá se despertar a atenção da sociedade porto-alegrense para a importância da preservação das obras de arte públicas, unindo esforços para que elas permaneçam em seus contextos originais, conservadas, mantendo seu significado histórico-cultural, pois ali está contida a memória informativa acumulada da própria existência da cidade e das diferentes relações que cada cidadão construiu com as obras ao longo de sua vida.
Veja uma galeria de alguns monumentos em estado deplorável:

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