segunda-feira, 14 de abril de 2014

Estamos atravessando um mar de turbulências no que diz respeito ao transporte público



Mas qual é o grande dilema que encontramos nisso tudo? Que antes de pensar em transporte é necessário pensar em evitá-lo, ou seja, evitar deslocamentos desnecessários através de um planejamento adequado do uso do solo. Mas o que eu quero dizer com isso e o que tem a ver uma coisa com a outra? Tudo!

É verdade que o cidadão com baixo poder aquisitivo vai sentir mais no bolso quando aumenta a passagem. Mas não é o preço da passagem aumentando que é mais cruel. É a distância que ele tem que percorrer que gera mais prejuízos! Quanto mais longe ele mora do trabalho, mais tempo ele perde se deslocando e mais tempo da sua vida vai sendo retirado, tempo que ele vai tirar do seu sono e vai por consequência gerar problemas de saúde que no balanço das contas geram um custo muito maior que o preço pago pela passagem.

Enquanto nós porto-alegrenses esperamos sistemas de transportes mais eficientes como metrô ou BRT, o trabalhador que depende diariamente do transporte coletivo se vê cada vez mais prejudicado por um sistema de transportes que não tem nada de sistema porque mais parece uma colcha de retalhos aleatórios de linhas de ônibus que se sobrepõem e competem entre si. Essa competição prejudica primeiramente as empresas de ônibus porque elas vão perdendo aos poucos os passageiros que são aqueles que teoricamente às sustentam, e depois porque vão realizando viagens com os veículos cada vez mais vazios enfrentando um trânsito congestionado que aumenta o gasto com combustível e manutenção.

Enquanto isso, aquele cidadão que deixou de usar o coletivo porque comprou seu auto, vai deixar de investir na qualidade ou existência do seu lazer, cultura, educação, saúde e até mesmo habitação, ou seja, vai morar muito, mas muito longe num lugar barato, onde não tem hospital nem escola, mas já que tem um auto, pode ir pra longe mesmo já que comprometeu suas economias com o financiamento do seu veículo próprio, particular. Já que tem incentivos fiscais prefere então optar pelo transporte individual em detrimento do coletivo, como os automóveis e motos, que tem um custo de uso muito superior se somar combustível, manutenção e etc, e que ainda congestionam as ruas, poluem e causam muitos acidentes. Enquanto isso existem áreas próximas ou no centro mesmo, que estão abandonadas ou mal utilizadas, imóveis que não sofrem manutenção e que se fosse aplicado a risca o iptu progressivo para terrenos e edifícios ociosos que não cumprem sua função social teríamos muitos imóveis desapropriados para finalmente cumprirem a lei.

É um círculo vicioso que gradativamente vai piorando se não houver uma mudança de pensamento, e realmente será é uma utopia, uma ilusão usar o discurso de que um dia teremos metrô para deixarmos de fazer qualquer coisa agora até que ele exista, isso porque os estudos previam o BRT para o ano passado e até agora não temos nada então pensar que em 20 anos vai haver metrô, mesmo que se cumpra a meta, até lá viveremos em meio ao  caos e desordem?

Durante a faculdade de arquitetura, numa disciplina de urbanismo, o qual o nosso projeto era para o centro de Porto Alegre, estudamos um diagnóstico realizado pela eptc que dizia que aproximadamente quarenta por cento das viagens de ônibus eram de embarques por transferência, ou seja, pouco menos da metade tinha que pegar dois ônibus para chegar ao seu destino. Isso demonstrava um problema grave que enfrentamos ainda hoje que é a grande movimentação de pessoas apenas durante o dia, famosa “baldeação” para trocar de ônibus, que por conseqüência refletia um grande esvaziamento noturno.

Isso porque as pessoas deixaram de morar no centro já que ele se tornou um local inseguro de permanecer à noite e isso repele ainda mais possíveis moradores, parte daqueles sessenta por cento que realmente trabalham no centro e poderiam ir a pé ao trabalho se ali morassem.

O pior é que daqueles que não moram e nem trabalham no centro, do grupo dos quarenta, que são obrigados a ir até lá só pra trocar de ônibus, acabam indiretamente beneficiando os comerciantes que passaram a se aproveitar desse público de passagem que aproveita o passeio para as compras. Esse comércio é um ponto positivo, mas só durante o dia, isso porque já que o público deixa o centro a noite, o comércio também precisa fechar suas portas e assim reduz a vitalidade noturna que daria subsistência aquele possível morador do centro, do grupo dos sessenta por cento.

E no dia seguinte pela manhã cedo começa tudo de novo, os ônibus trazem do bairro os passageiros até o centro, manobram, geram ruído, poluição, degradação que também é um dos motivos para as pessoas não desejarem morar no centro, ficam parados com motor ligado aguardando tempo suficiente para todos desçam do ônibus, sim, cem por cento! O nosso grupo dos sessenta fica por lá mesmo e o grupo dos quarenta vão se distribuir para os outros ônibus. Então o ônibus segue? Não porque o motorista vai esperar embarcar os outros quarenta que vieram de outras linhas. Esse tempo parado ele vai precisar acelerar pelas ruas pra compensar atrasos atingindo velocidades que irão por em risco a vida de pedestres e ciclistas, não só pela brutalidade com que um veículo de grandes proporções ocasiona pela sua inércia, ou seja, a força necessária para colocá-lo em movimento ou pará-lo, mas também pela acentuada geração de manobras apertadas nos terminais, locais com grande aglomeração de pessoas, que nem sempre conseguem estar atentas à movimentação desses gigantes movidos por um ser humano passível a erros que vão gerar acidentes. Mas não vamos culpar uma só pessoa, pois o motorista é aquele que acorda mais cedo que o próprio trabalhador porque ele vai sair de casa e se deslocar até a garagem num horário que não tem ônibus e é possível que o motorista se estresse muito durante sua jornada, absorvendo o estresse de todos os passageiros que estavam apertados nos horários de pico, principalmente no pico da volta onde voltam nossos quarenta, enquanto alguns fazem o seu passeio habitual de compras outros se encontram com o grupo dos sessenta e aguardam nas intermináveis filas das calçadas reduzindo o espaço de passeio que já é estreito para os pedestres que por ali passam obrigando-os muitas vezes a invadir a rua, onde ônibus manobram e se ultrapassam tentando achar espaço em um trânsito cada vez mais abarrotado. E nos dias que chove e alaga então? Imagina na copa...

Enfim, como comentei sobre o projeto para o centro, a proposta que tivemos foi criar um sistema de linhas que não faziam o movimento no sentido bairro até um terminal central e voltando ao mesmo bairro como é atualmente. A mudança era muito simples e barata, e servia apenas como transição para futuros melhoramentos. Como o objetivo era evitar o embarque por transferência e as manobras, faríamos com que as linhas não retornassem pelo mesmo caminho e sim seguissem para outros bairros, distribuindo de forma uniforme todas as linhas para seus novos destinos, com intenção de que não mais o grupo dos quarenta precisasse descer do ônibus, nem os outros quarenta embarcasse, ou seja, oitenta por cento do tempo de manobra! Com isso não mais seria necessário um terminal porque os ônibus não mais teriam que fazer o retorno para voltar, e sim seguir adiante em um caminho contínuo parando uniformemente ao longo de paradas dispostas ao longo de uma via onde desceria apenas o grupo dos sessenta pela manhã e voltariam ao final do dia.

Com essa proposta, eliminaríamos assim a necessidade de manobras e os lugares antes ocupados por ônibus poderiam virar espaços públicos de lazer que vão servir para os novos moradores do centro, que serão parte daqueles sessenta que vão se mudar para próximo do seu trabalho e vão ir a pé trabalhar, pra viverem intensamente o centro a pé, como realmente deveria ser!

A proposta descrita foi apresentada de forma simplória, apenas em conceito, estudo acadêmico. Necessitaria de ajustes e adaptações, pois o tempo passou, a demanda mudou, algumas rotas deveriam ser estudadas com bastante afinco e as novas combinações de linhas teriam que sofrer uma boa avaliação para otimizar as conexões, principalmente os convênios entre as empresas que operam em cada bacia na cidade.

Mas enquanto o metrô não chega porque não adotar algumas mudanças com baixíssimo custo de implantação, ou seja, só precisamos gastar fosfato em planejamento e depois na divulgação para os usuários das novas mudanças. Pra tudo isso existe um órgão que regula e coordena isso, que é repleto de técnicos muito competentes os quais por eles seria o novo sistema gerido com qualidade, assim como são geridas as linhas que a princípio foram rejeitadas e no final fizeram sucesso, que são as linhas transversais, conhecidas como “T”s, as quais apresentaram já o primeiro passo na remodelação feita na época, pois auxiliaram a reduzir as linhas do centro.


Finalmente gostaria de atentar sobre algumas descrições aproximadas, metáforas utilizadas de maneira generalizada e/ou exagerada, com intenção didática apenas nesse texto de descargo de consciência. É importante comentar isso porque boa parte dos motivos que afastam as pessoas do centro é causado por preconceitos, opiniões, estigmas negativos baseado em “achismos”, pois o centro apresenta sim um grande número de moradores que não deixariam de morar por lá, lugares interessantes cheios de atrações e atividades, bem como de locais seguros e agradáveis de passeio a noite, eventos alternativos e pontos culturais notoriamente conhecidos.Triste é ter que passar lá correndo. Bom é poder caminhar por lá a qualquer hora, sendo morador ou não, e viver o centro intensamente ou mesmo distraído, olhando pra cima e admirando os prédios, a pé. 

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