Autora: Arquiteta e Urbanista Angela D´Ornelas Ponsi
Especialista em Direito Urbano e Ambiental pela FMP/RS.
Porto Alegre, 28 de maio de 2014.
Antes
de iniciar a análise do tema, é importante salientar as diferença entre a
instituição privada e a pública, bem como o que existe em comum em ambas, como,
por exemplo, a existência de recursos humanos, materiais, financeiros,
tecnológicos, ambientais, e por aí vai. Entre suas diferenças, tem-se que o
público visa o bem estar da sociedade, enquanto no privado, a essência é o
lucro. Outra diferença é que na segunda existe uma relação meramente
contratual: pagou, recebeu; se não pagou, não recebe. Na instituição pública,
não: independentemente da capacidade do cidadão pagar ou não pelo serviço
prestado, ele tem direito a receber. Outra diferença é a liberdade de atuação.
É óbvio que a instituição privada tem muito mais liberdade: ela pode incentivar
com total iniciativa e criatividade os seus funcionários a fazer tudo, desde
que não seja proibido pela legislação. Já a instituição pública pode incentivar
a iniciativa, a criatividade e a liberdade do seu funcionário, mas sempre
quando permitido pela legislação.
Agora
vejamos, o Brasil teve originariamente três formas de administração pública,
quais sejam: 1) patrimonialismo, 2) burocracia e 3) administração gerencial. O
patrimonialismo é a forma administrativa própria dos regimes absolutistas e
caracterizava-se, em primeiro lugar, pela corrupção como sendo uma incapacidade
de separar bem público de bem privado, sendo que, em verdade, toda a máquina
administrativa agia como se fosse extensão do poder do soberano, que tudo usava
para seus próprios interesses. Em segundo lugar, o patrimonialismo
caracterizava-se pelo nepotismo, tendo em vista que os cargos públicos não eram
selecionados pela capacidade profissional do indivíduo, e sim pela relação com
o soberano. O cargo público era considerado como um status de nobreza real e
era hereditário e vitalício, ou seja, passava de pai para filho, integrando,
inclusive, o patrimônio da família.
Com
a evolução do capitalismo e da industrialização, esse patrimonialismo ficou
insustentável, daí surgindo a necessidade de se criar um novo regime
administrativo: a burocracia. Ora, aí, com razão perguntamos: “Não estamos
vivendo hoje o próprio patrimonialismo travestido de burocracia”? E a resposta
a essa pergunta é: “Na teoria, não”. Isso porque o termo burocracia surgiu
inicialmente como substituto da forma administrativa anterior. É claro que,
atualmente, nós identificamos a burocracia como algo ruim, lento, cheio de
regras e normas inúteis, um entrave, enfim. O interessante é que,
originariamente, o termo burocratizar significava organizar o trabalho.
O
que vemos hoje não é a burocracia, mas, sim, as suas distorções e as suas
falhas. A burocracia por si só, como já foi dito, significa organização do trabalho
e foi criada, no passado, para tentar organizar as fábricas e as indústrias que
estavam crescendo de uma maneira totalmente aleatória e sem planejamento.
Existem na burocracia três pilares básicos: 1) a impessoalidade – significando
a capacidade de separar bem público de bem privado, de não levar para o lado
pessoal, não permitindo que os próprios interesses, objetivos, amizades e
simpatias interfiram na relação, de não se apoderar de qualquer benefício que o
cargo pode conferir ao indivíduo; 2) a formalidade – necessária a utilização de
regras e normas (formas) para que os recursos humanos, materiais e financeiros
sejam utilizados; 3) o profissionalismo – os cargos públicos vão ser exercidos
por profissionais aptos, capacitados, que tenham conhecimento técnico e
científico para poder exercer adequadamente a sua função. Nesse sentido, resta
evidente que a burocracia, em sua gênese, é boa.
A burocracia, portanto, foi implementada em 1936 por
Getúlio Vargas com o objetivo principal de eliminar o patrimonialismo, que
existia desde a época da Monarquia, estendendo-se até os primeiros anos da
República. Além dos três pilares iniciais já descritos, alguns outros
princípios contidos na palavra burocracia são: divisão do trabalho,
especialização, hierarquia, autoridade, entre outros. A administração
burocrática, no entanto, não conseguiu atender a expansão do Estado e as suas
necessidades, tornando-se lenta, cara, auto referida, cheia de regras,
perpetuando a corrupção e o nepotismo. Muitos teóricos afirmam que a
burocracia, apesar de ter sido a primeira forma administrativa implementada no
Brasil, nunca foi consolidada, não atingindo, portanto, os objetivos para o
qual foi criada, ou seja, não eliminando as práticas patrimonialistas.
Em
1995 foi implementada a administração gerencial com o objetivo de, ao se apoiar
nos pilares da burocracia (impessoalidade, formalidade e profissionalismo),
incorporar inovações como dotar a máquina pública de mais eficiência
(otimização de recursos), eficácia (alcançar objetivos) e flexibilidade. A
ideia era utilizar conceitos da administração privada na administração pública,
pois os governantes da época entenderam que, “se a instituição privada, que tem
recursos mais limitados e clientes mais exigentes, consegue pagar as suas contas
e ainda obter lucro, por que a instituição pública, que tem mais recursos, não
consegue nem satisfazer o cidadão, nem pagar as suas contas e muito menos obter
lucro?” Dessa maneira, a administração gerencial vai surgir com o objetivo de
renovar a forma de administrar o governo, adotando características típicas da
administração privada, tais como governo empreendedor, inovador e catalisador
(acelerador de processos). Convém lembrar que, apesar de ter surgido há quase
duas décadas, a forma gerencial ainda vivencia um processo de transição,
considerando que as práticas patrimonialistas, como corrupção e nepotismo,
ainda hoje se mantém em vigência.
O
desafio atual do gestor público, por óbvio, é incorporar as ferramentas de
planejamento e gestão próprias da administração privada, eliminando as
distorções e falhas burocráticas que levam ao fracasso de suas metas e dos seus
objetivos e que acabam por reforçar as práticas de corrupção e nepotismo.
Carece, portanto, adotar na íntegra dois dos quatro conceitos de administração:
disciplina, função, local e dirigentes. A disciplina como sendo a área de
estudo e de formação, uma ciência que vai estudar as organizações e procurar
criar novas maneiras, ferramentas, teorias e princípios para ajudar a alcançar
o objetivo, sempre buscando aprimorar, inovar e efetuar mudanças. Dentre as
ferramentas essenciais para o sucesso do sistema estão o planejamento, a gestão
da qualidade, a motivação, a liderança, as estratégias conceituais, enfim. A
administração como função de planejar, organizar, dirigir e controlar os
recursos (humanos, materiais, financeiros, ambientais, tecnológicos,
administrativos, mercadológicos) é, dessa forma, o meio para facilitar o
cumprimento dos objetivos propostos.
Faz-se
necessário, por fim, aprimorar as funções administrativas: analisar a situação
em forma de diagnóstico, definir os objetivos e as metas, estabelecer
estratégias, distribuir os recursos e as funções, motivar, liderar, gerenciar
conflitos e controlar de forma organizada a condução do processo gerencial.
Definir a missão (razão de existência de forma atemporal) e a visão
compartilhada (sonho e utopia possíveis) e rever esses conceitos ao longo do
tempo. Eis os caminhos para fundar, dentro da gestão pública, uma organização
de excelência, com objetivos claros e valores coletivos, cujos preceitos
coincidem com os princípios constitucionais da administração pública:
legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência.
*Texto inspirado na vídeo-aula “Conceitos Básicos de Administração”
da professora Giovanna Carranza, disponível em:
Nenhum comentário:
Postar um comentário