quarta-feira, 28 de maio de 2014

Burocracia: origens, distorções e correções



Autora: Arquiteta e Urbanista Angela D´Ornelas Ponsi
Especialista em Direito Urbano e Ambiental pela FMP/RS.
Porto Alegre, 28 de maio de 2014.

Antes de iniciar a análise do tema, é importante salientar as diferença entre a instituição privada e a pública, bem como o que existe em comum em ambas, como, por exemplo, a existência de recursos humanos, materiais, financeiros, tecnológicos, ambientais, e por aí vai. Entre suas diferenças, tem-se que o público visa o bem estar da sociedade, enquanto no privado, a essência é o lucro. Outra diferença é que na segunda existe uma relação meramente contratual: pagou, recebeu; se não pagou, não recebe. Na instituição pública, não: independentemente da capacidade do cidadão pagar ou não pelo serviço prestado, ele tem direito a receber. Outra diferença é a liberdade de atuação. É óbvio que a instituição privada tem muito mais liberdade: ela pode incentivar com total iniciativa e criatividade os seus funcionários a fazer tudo, desde que não seja proibido pela legislação. Já a instituição pública pode incentivar a iniciativa, a criatividade e a liberdade do seu funcionário, mas sempre quando permitido pela legislação.

Agora vejamos, o Brasil teve originariamente três formas de administração pública, quais sejam: 1) patrimonialismo, 2) burocracia e 3) administração gerencial. O patrimonialismo é a forma administrativa própria dos regimes absolutistas e caracterizava-se, em primeiro lugar, pela corrupção como sendo uma incapacidade de separar bem público de bem privado, sendo que, em verdade, toda a máquina administrativa agia como se fosse extensão do poder do soberano, que tudo usava para seus próprios interesses. Em segundo lugar, o patrimonialismo caracterizava-se pelo nepotismo, tendo em vista que os cargos públicos não eram selecionados pela capacidade profissional do indivíduo, e sim pela relação com o soberano. O cargo público era considerado como um status de nobreza real e era hereditário e vitalício, ou seja, passava de pai para filho, integrando, inclusive, o patrimônio da família.

Com a evolução do capitalismo e da industrialização, esse patrimonialismo ficou insustentável, daí surgindo a necessidade de se criar um novo regime administrativo: a burocracia. Ora, aí, com razão perguntamos: “Não estamos vivendo hoje o próprio patrimonialismo travestido de burocracia”? E a resposta a essa pergunta é: “Na teoria, não”. Isso porque o termo burocracia surgiu inicialmente como substituto da forma administrativa anterior. É claro que, atualmente, nós identificamos a burocracia como algo ruim, lento, cheio de regras e normas inúteis, um entrave, enfim. O interessante é que, originariamente, o termo burocratizar significava organizar o trabalho.

O que vemos hoje não é a burocracia, mas, sim, as suas distorções e as suas falhas. A burocracia por si só, como já foi dito, significa organização do trabalho e foi criada, no passado, para tentar organizar as fábricas e as indústrias que estavam crescendo de uma maneira totalmente aleatória e sem planejamento. Existem na burocracia três pilares básicos: 1) a impessoalidade – significando a capacidade de separar bem público de bem privado, de não levar para o lado pessoal, não permitindo que os próprios interesses, objetivos, amizades e simpatias interfiram na relação, de não se apoderar de qualquer benefício que o cargo pode conferir ao indivíduo; 2) a formalidade – necessária a utilização de regras e normas (formas) para que os recursos humanos, materiais e financeiros sejam utilizados; 3) o profissionalismo – os cargos públicos vão ser exercidos por profissionais aptos, capacitados, que tenham conhecimento técnico e científico para poder exercer adequadamente a sua função. Nesse sentido, resta evidente que a burocracia, em sua gênese, é boa.

A burocracia, portanto, foi implementada em 1936 por Getúlio Vargas com o objetivo principal de eliminar o patrimonialismo, que existia desde a época da Monarquia, estendendo-se até os primeiros anos da República. Além dos três pilares iniciais já descritos, alguns outros princípios contidos na palavra burocracia são: divisão do trabalho, especialização, hierarquia, autoridade, entre outros. A administração burocrática, no entanto, não conseguiu atender a expansão do Estado e as suas necessidades, tornando-se lenta, cara, auto referida, cheia de regras, perpetuando a corrupção e o nepotismo. Muitos teóricos afirmam que a burocracia, apesar de ter sido a primeira forma administrativa implementada no Brasil, nunca foi consolidada, não atingindo, portanto, os objetivos para o qual foi criada, ou seja, não eliminando as práticas patrimonialistas.

Em 1995 foi implementada a administração gerencial com o objetivo de, ao se apoiar nos pilares da burocracia (impessoalidade, formalidade e profissionalismo), incorporar inovações como dotar a máquina pública de mais eficiência (otimização de recursos), eficácia (alcançar objetivos) e flexibilidade. A ideia era utilizar conceitos da administração privada na administração pública, pois os governantes da época entenderam que, “se a instituição privada, que tem recursos mais limitados e clientes mais exigentes, consegue pagar as suas contas e ainda obter lucro, por que a instituição pública, que tem mais recursos, não consegue nem satisfazer o cidadão, nem pagar as suas contas e muito menos obter lucro?” Dessa maneira, a administração gerencial vai surgir com o objetivo de renovar a forma de administrar o governo, adotando características típicas da administração privada, tais como governo empreendedor, inovador e catalisador (acelerador de processos). Convém lembrar que, apesar de ter surgido há quase duas décadas, a forma gerencial ainda vivencia um processo de transição, considerando que as práticas patrimonialistas, como corrupção e nepotismo, ainda hoje se mantém em vigência.

O desafio atual do gestor público, por óbvio, é incorporar as ferramentas de planejamento e gestão próprias da administração privada, eliminando as distorções e falhas burocráticas que levam ao fracasso de suas metas e dos seus objetivos e que acabam por reforçar as práticas de corrupção e nepotismo. Carece, portanto, adotar na íntegra dois dos quatro conceitos de administração: disciplina, função, local e dirigentes. A disciplina como sendo a área de estudo e de formação, uma ciência que vai estudar as organizações e procurar criar novas maneiras, ferramentas, teorias e princípios para ajudar a alcançar o objetivo, sempre buscando aprimorar, inovar e efetuar mudanças. Dentre as ferramentas essenciais para o sucesso do sistema estão o planejamento, a gestão da qualidade, a motivação, a liderança, as estratégias conceituais, enfim. A administração como função de planejar, organizar, dirigir e controlar os recursos (humanos, materiais, financeiros, ambientais, tecnológicos, administrativos, mercadológicos) é, dessa forma, o meio para facilitar o cumprimento dos objetivos propostos.

Faz-se necessário, por fim, aprimorar as funções administrativas: analisar a situação em forma de diagnóstico, definir os objetivos e as metas, estabelecer estratégias, distribuir os recursos e as funções, motivar, liderar, gerenciar conflitos e controlar de forma organizada a condução do processo gerencial. Definir a missão (razão de existência de forma atemporal) e a visão compartilhada (sonho e utopia possíveis) e rever esses conceitos ao longo do tempo. Eis os caminhos para fundar, dentro da gestão pública, uma organização de excelência, com objetivos claros e valores coletivos, cujos preceitos coincidem com os princípios constitucionais da administração pública: legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência.

*Texto inspirado na vídeo-aula “Conceitos Básicos de Administração” da professora Giovanna Carranza, disponível em:


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