Roberto
Ghione
Ficar surpreendido perante a normalidade de atitudes e
comportamentos comprometidos com a solidariedade, civilidade, gentileza urbana
e condição de cidadania motiva a reflexão acerca do tipo de sociedade que conformamos
e de cidade que construímos. Tal grata surpresa aconteceu em recente visita à
cidade de Medellín (paradigma de transformação social e urbana da
contemporaneidade) e preocupa diante da inevitável comparação com a situação
das cidades brasileiras, pelo menos do Recife.
A
construção de uma cidade inicia-se pela formação dos cidadãos e complementa-se
com as propostas urbanísticas e intervenções capazes de estimular a convivência
civilizada. Não adianta uma sem a outra. Cidades podem ser bem configuradas,
porém carentes de alma, isto é, da energia vital que surge das pessoas em
exercício da cidadania manifestada na apropriação dos espaços públicos.
Esta
reflexão acontece diante de fatos recentes preocupantes, que acenderam o sinal
de alerta acerca da baixa consciência de cidadania, situação que aumenta o
desafio de elaborar um projeto de cidade inclusiva, integrada e civilizada e
questiona a efetiva contribuição da arquitetura e do urbanismo para tal
objetivo.
Não
recuperada ainda da perplexidade diante das guerras entre torcidas de futebol,
com a morte de uma pessoa mediante o arremesso de vasos sanitários desde o alto
das arquibancadas, a sociedade pernambucana ficou atônita e consternada perante
os vergonhosos atos de vandalismo cometidos pela sociedade civil em dia de
greve da polícia militar. Sem a presença da segurança institucionalizada, parte
da sociedade mostra sua verdadeira cara e valores, que refletem uma preocupante
degradação dos princípios de cidadania, assim como uma extrema glorificação do
consumismo e do vandalismo. Assistir à invasão e saqueio de lojas não só por
delinqüentes, mas também por homens, mulheres e jovens com os quais se tenta
conviver no dia a dia, constitui uma enorme frustração perante a civilidade
decadente.
As
causas de tais comportamentos podem ser atribuídas a muitos fatores, dentre
eles, à agressiva promoção do consumismo e a determinação do sucesso pela
possessão de bens materiais. De igual forma, o paradigma de desenvolvimento
baseado exclusivamente no crescimento do PIB demonstra mais uma vez sua falácia
ao ocultar as desigualdades sociais no Estado que teve os maiores índices do
país nos últimos anos.
Mas,
a origem desses comportamentos localiza-se, basicamente, no modelo de cidade em
construção. Enquanto a exclusão persistir resulta evidente o aumento das
tensões sociais, comprometendo a convivência civilizada e os princípios da
cidadania.
A
sociedade brasileira encontra-se prisioneira de um círculo viciado que envolve
violência, segurança e urbanismo. “Eu me defendo da cidade que me agride, ainda
quando com meu comportamento agrido a cidade que não me defende”. Tal o
raciocínio do momento, cujas conseqüências se traduzem na construção de edifícios
defensivos pela iniciativa privada, que aumentam a insegurança pública,
precisamente, para vender a segurança oferecida pelos empreendimentos.
Resultado disso são as paisagens urbanas inóspitas, a dependência total do
automóvel e a desintegração social que hoje afeta à sociedade, conjuntamente
com a falta de visão ou de interesse de gestões que provocaram o abandono do
planejamento, a transformação da cidade em uma mercadoria oferecida ao melhor
pagante e a priorização do interesse privado acima do público.
Egoísmo,
individualidade, arrogância, desigualdade, exclusão, privilégios e corrupção
merecem ser substituídos por solidariedade, espírito de comunidade, gentileza,
inclusão, honestidade, democracia e cidadania se o objetivo é evoluir como
nação civilizada e desenvolvida. Consciência de cidadania é o recurso capaz de
promover a transformação social, enquanto planejamento baseado na noção de
cidade como âmbito da convivência civilizada, representa o instrumento que
promoverá a revitalização urbanística. Os centros urbanos do Brasil merecem ser
transformados em cidades, segundo o conceito de civilidade que ele implica,
assim como urbanidade e cidadania merecem fazer parte do ensino básico, com o
objetivo de promover uma efetiva transformação social a partir da educação.
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