Por Luiz Antonio T. Grassi
Estou em Yasd, no
Irã, cidade de uma região em que a precipitação pluviométrica média é de cinco
milímetros por ano (dois ou três por cento do que chove no Rio Grande do Sul).
Visito Museu da Água, em uma antiqüíssima casa, onde documentos, artefatos,
maquetes e reproduções traçam a história e a importância da água para aquela
sociedade. A convivência com a escassez milenar torna natural o respeito à
história de como a sociedade local soube enfrentar os desafios e os conflitos
decorrentes da falta de água (não só para beber, mas para a higiene, para a
agricultura e para os animais).
Em outro ponto do
arco civilizatório, visito o Pavilháo da Água de Paris. A cidade do Sena mostra
a história do seu abastecimento hídrico, demonstra seus problemas com as águas,
a importância dessas para todas as atividades, mostra como a água se manifesta
na natureza e ainda impulsiona a criatividade artística relacionada á
substância líquida vital através, por exemplo, do “design” de artefatos para os
usos domésticos e urbanos da água.
Já em Lisboa, a
ênfase histórica marca seu Museu da Água. Visito um segmento situado em antiga
casa de bombas, relíquia por si só, enriquecida por um sem número de artefatos
e documentos. Outros dois locais, de forte apelo turístico são o Aqueduto das
Águas Livres e o Reservatório da Patriarcal, monumentos históricos pertencentes
ao Museu. Desde o reservatório, pode-se fazer uma caminhada por um canal
subterrâneo até uma praça, enquanto se absorve informações da história das
águas de Lisboa.
São três cidades,
entre muitas, que cultivam essa museologia que reflete não só a importância
histórica da água para as civilizações, mas também as apreensões e os desafios
que a atual crise da água, global e regionalmente provoca para a humanidade.
Entre nós, foi preciso que a maior cidade do Brasil ficasse à beira de um
colapso do abastecimento de água potável para que a sociedade, os governantes e
os meios de comunicação dessem importância à crise da escassez hídrica.
Porto Alegre quer
entrar para o rol das cidades que têm seu museu dedicado ás águas – assim, no
plural, para indicar, desde o nome, as múltiplas formas, estados físicos e
localizações da água no planeta e ainda, os inumeráveis usos e funções desse
bem ambiental insubstituível, mas limitado e desigualmente distribuído. A
capital gaúcha quer ter seu Museu das Águas porque nasceu e cresceu banhada e
alimentada por um manancial que a caracteriza, a distingue e a embeleza.
Um museu, na sua
etimologia, é uma “casa das musas”, entidades da mitologia clássica com a
missão de inspirar conhecimentos, atitudes, obras. E o que vão inspirar essas
“musas das águas”? O Museu das Águas de Porto Alegre vai cuidar da História,
preservando, conservando, expondo tudo o que se refere ao relacionamento da
sociedade com as águas (artefatos, documentos etc). Também vai estar a serviço
da Educação, com equipamentos e atividades voltadas ao conhecimento e à
conscientização dos temas hídricos. E além disso, vai ser um centro de
criatividade onde as musas de todas as artes estarão ocupadas em inspirar obras
de arte que tenham as águas como tema, material ou suporte.
Porto Alegre
merece ter seu Museu das Águas.
A importância
cultural, social, educacional, de equipamento urbano e de marco turístico pode
ser avaliada ao confrontarmos com o que acontece em outras cidades brasileiras
onde multiplica-se a criação de iniciativas semelhantes. O Rio de Janeiro
renova-se e prepara-se para as Olimpíadas de 2016 com diversas iniciativas,
como o Museu do Rio de Janeiro – MAR e com o Museu do Amanhã (projeto do famoso
arquiteto Santiago Calatrava), ambos revolucionando o centro histórico da
cidade. Belo Horizonte tem-se destacado, no cenário internacional com diversos
museus e centros de cultura, inaugurados nos últimos anos, como o Centro de
Arte Popular CEMIG, o Museu de Artes e Ofícios, entre outros (configurando,
inclusive, o Circuito Cultural Praça da Liberdade). Próximo á capital mineira,
o Museu Parque de Inhotim tem sido classificado como o maior museu a céu aberto
do mundo e tornou-se um centro de peregrinação turístico-cultural
internacional. A capital pernambucana também tem valorizado as iniciativas
culturais, com o Museu Oficina Francisco Brennand, absolutamente original em todo
o mundo, o Instituto Ricardo Brennand, o Museu do Homem do Nordeste.
Por sua vez,
Porto Alegre começou a ingressar nesse rol de cidades que valorizam a cultura e
incentivam o turismo cultural com o magnífico museu da Fundação Iberê Camargo.
A arquitetura de Alvaro Siza colocou nossa capital no mapa dos centros
culturais mundiais, o que demonstra o quanto temos a ganhar com iniciativas
semelhantes.
De outra parte, a
orla do Guaíba é o cenário perfeito para um Museu das Águas, conjugando o
espetáculo natural com a presença do objeto central do museu, a água.
Entendemos que é hora de a capital gaúcha honrar as tradições intelectuais de
nosso povo e ocupar o posto que merece entre as cidades que se destacam pelas
iniciativas culturais.
O Museu das Águas
de Porto Alegre (MUSA) foi criado, formalmente, no último Dia Mundial da Água,
22 de março, culminando um trabalho preparatório de diversos anos. A idéia
inicial surgiu no II Fórum Internacional das Água promovido pela Associação
Riograndense de Imprensa. A partir de 2009, foi-se constituindo um grupo de
trabalho coordenado pela artista plástica Zoravia Bettiol. Em 2010 diversas
entidades foram procuradas e deram sua adesão à proposta. A Universidade
Federal do Rio Grande do Sul foi a primeira dessas entidades, com o apoio firme
de seu Reitor Carlos Alexandre Neto. Por sua iniciativa, o grupo de coordenação
teve uma reunião com o ambientalista Jean-Michel Cousteau, quando o mesmo
manifestou entusiasmo pela criação do Museu. Em 22 de março de 2012, quatorze
entidades, entre organismos públicos e associações civis firmaram um Protocolo
de Intenções criando uma Comissão Pró- MUSA. Desde então, os representantes
dessas entidades, juntamente com voluntários, deram andamento ao processo de
criação do MUSA. O principal resultado é o documento definidor da missão, dos
objetivos e das características principais do Museu, elaborado com a
colaboração da Dra. Vera Rangel, PhD em museologia.
Desde o início
dos trabalhos, ficou claro que o MUSA deveria situar-se à orla do Guaíba, em
localização compatível com o acesso fácil dos visitantes. O arquiteto e
urbanista Marcelo Allet, representante da Prefeitura Municipal de Porto Alegre
na Comissão Pró-MUSA fez um estudo, indicando duas opções de local adequado
para o MUSA. Essas opções foram oferecidas à Prefeitura e estão à espera de
definição por parte da administração municipal.
A partir do
momento em que esta decisão for tomada, a Comissão poderá iniciar o processo de
concurso público para o projeto arquitetônico-urbanístico do Museu. O Instituto
dos Arquitetos do Brasil, apoiador desde o início, já garantiu, por seu
presidente, Arq. Tiago Holzmann da Silva, a coordenação desse processo.
Porto Alegre não
pode perder essa oportunidade de destacar-se no cenário nacional pela originalidade
desse projeto, importante por sua proposta temática e que poderá ser um ícone
arquitetônico, valorizando socialmente a orla do Guaíba e também um marco
turístico da cidade.
Luiz
Antonio T. Grassi é engenheiro civil com especialização em planejamento
metropolitano e atuação na área de saneamento e gestão de recursos hídricos. É
um dos autores do livro “Tempo das Águas”. Bacharel em História, com
especialização em América Latina, tendo lecionado na Faculdade Porto-alegrense
de Filosofia, Ciências e Letras.
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