Esta carta do Arquiteto João
Batista Vilanova Artigas ilustra, de maneira clara, a
importância da contratação de um arquiteto.
Carta
ao cliente
Confesso
que não me assustei muito ao ler sua carta contando o resultado da
conferência para autorização de um projeto para o São Lucas. Estas
coisas acontecem sempre porque, por falta de costume, quem constrói,
nem sempre avalia o plano de como deveria fazê-lo. Se eu insisto em
aconselhá-lo mais uma vez para que consiga um arquiteto para dirigir
os trabalhos de seu hospital, não é somente porque desejo muito
trabalhar para um hospital modelo, mas porque, e principalmente
porque, não posso crer que uma obra, da importância da sua, possa
nascer sem estudo prévio. É vezo brasileiro fazer as coisas sem
plano inicial perfeitamente elaborado; quando se pergunta sobre como
ficarão estes e aqueles pormenores, a resposta é sempre a mesma: Ah!
Isso depois, na hora, veremos.
Assim
fazem-se as casas, os prédios, as cidades; nesse empirismo vive a
lavoura, a indústria e o próprio governo. O planejamento, mercadoria
altamente valorizada em todo mundo para qualquer realização, não
encontrará entre nós o ambiente propício enquanto nós moços não nos
capacitarmos da sua necessidade imprescindível. Poderia continuar
conversando com você sobre a grande vantagem de planejar com
antecedência, até amanhã, sem esgotar todos os argumentos e
provavelmente terminaria por dizer que é até demonstração de
patriotismo e inteligência. Mas com isso não convenceríamos ninguém;
talvez muito mais vantajoso seria confinar a discussão entre os
limites das vantagens particulares, individuais de aplicar o método.
Então vejamos. A pergunta é sempre a mesma; -”que vantagem
poderíamos ter em gastar CR$ 65..000,00 em um projeto somente? O
projeto não é o prédio; muito pelo contrário, somente uma despesa a
mais! Contratando a construção o projeto viria de graça, feito pelo
próprio construtor e nós economizaríamos 5% sobre o valor do prédio.
Com esses 5%, no caso de querermos gastá-lo, até poderíamos melhorar
algumas condições do edifício; enriquecer alguns materiais
etc…”
Garanto
que os argumentos acima lhe foram expostos mais de uma vez. São os
que sempre vejo empregados em ocasiões dessas e nunca mudam. São
também os mais fáceis de rebater e os menos inteligentes.
Senão
vejamos: “…O projeto sempre custa alguma coisa. O construtor que o
fizer terá, sem dúvida que empregar engenheiros e desenhistas para
isso. Terá de empregar gente para calcular concreto, para calcular
aquecimento, eletricidade, etc… O construtor cobrará essa despesa do
proprietário através da comissão para a construção. Tanto isso é
verdade que, se você apresentar aos construtores um projeto
completamente pronto, ele cobrará percentagem menor para a
construção porque dirá, “não terei despesas no escritório”.
Suponhamos que a taxa de honorários para a construção seja de 10 a
12%, inclusive o projeto. Se você der o projeto, encontrará quem lhe
faça por 6 ou 8%. Daí você conclui que o projeto que você pagou ao
arquiteto 5%, já representa nessa ocasião somente 1% ou 2% a mais do
que o preço geralmente previsto.
Mas
eu desejo provar que o plano geral, feito com antecedência, é
economia e não despesa. Então vamos continuar. Ninguém pode negar,
nenhum construtor, nenhum cliente, que o projeto feito pelo técnico,
contém em si uma previsão maior dos diversos detalhes do que o
projeto rabiscado pelo construtor e verificado pelo proprietário.
Faça uma experiência. Tome um plano que esteja em início de
construção e pergunte a quem o dirige: por onde passam os canos de
aquecimento? Por onde passam os canos de esgoto? O senhor vai fazer
antes isso ou aquilo? Garanto que não sabem.
Responderão:
“provavelmente passarão por aqui ou ali, farei isto ou aquilo antes.
Se na ocasião de executar um serviço, verificar-se um contratempo
qualquer, um cano que não pode passar porque tem uma porta, um
esgoto vai ficar aparecendo no andar de baixo; o construtor resolve
em função do problema, no momento. Ele dá voltas com o cano ou faz
um forro falso para esconder o esgoto que iria aparecer em baixo.
Entretanto se isso tivesse sido previsto, não precisaria de forro
falso ou qualquer outra coisa. No papel, teria sido procurada e
encontrada a solução mais econômica, para o caso, a mais
bonita.
Consulte
um construtor experimentado ou alguém que já tenha construído e
todos serão unânimes em contar-lhe pequenas calamidades que
apareceram. Eu já ouvi diversas vezes, por exemplo: “Quando
colocamos as fundações no terreno nós vimos que o quarto ficaria
enterrado. Então levantamos as fundações mais cinqüenta centímetros
para dar certo. Por isso deu uma escada na entrada e ficou com um
porão, etc… Se você calcular quanto mais caro ficou a imprevisão,
você verá a vantagem de ter um projeto estudado. O arquiteto teria
dado uma disposição diferente nos cômodos de maneira que o tal
quarto não ficasse enterrado, sem ter que aumentar as fundações e
assim economizaria o dinheiro com o qual se faria pagar.
Se
o proprietário não ganhasse nada, ainda teria para si uma solução
melhor e um motivo para valorizar seu imóvel. O construtor por
exemplo não projetaria as instalações elétricas. Ele chamaria um
instalador “prático” e o homem disporia a coisa à sua vontade.
Usaria os canos que ele quisesse e os fios que achasse melhores. Bem
curioso, não é ? Poucos entendem disso e ninguém iria fiscalizar o
homem. Acontece, porém que os fios, quando são fios demais em
relação à corrente que transportam, dão muitas perdas, e essas se
traduzem em despesa mensal maior de energia para você durante os 50
ou 100 anos de funcionamento do hospital; assim você pagaria 100
vezes um bom projeto de distribuição de eletricidade. Estou apenas
repetindo casos cotidianos.
Do
funcionamento do hospital ainda mais, o construtor provavelmente não
entende e nem terá tempo suficiente para estudar. Ele não é
especializado em hospitais porque isto é Brasil e depois não estudam
porque não é o seu métier. Ora, assim sendo, ele vai confiar em
você. Você conhece hospitais já feitos e em funcionamento, como
hospitais, não como construções. Os seus preconceitos, a respeito, o
construtor repetirá com o dinheiro de seu bolso. As soluções que,
para alguns casos que você viu, são soluções econômicas poderão
constituir soluções caríssimas, no seu caso. Rematando, sua casa de
saúde não teria o melhor aspecto porque faltou um artista.
Arquitetura,
é construção e arte. Arte. Arte não tem livro de regulamento que
ensine. Nasce dentro de cada um e desenvolve-se como conjunto de
experiências. Procure um homem que possa das à sua casa de saúde,
além das características de um hospital eficiente pelo perfeito
planejamento das diversas sessões, um valor artístico
indiscutível.
O
valor artístico é um valor perene, enorme, inestimável. É um valor
sem preço e sem desgaste. Pelo contrário, aumenta com os anos à
proporção que os homens se educam para reconhecê-lo. O valor
artístico subsiste até nas ruínas. Os anos correm e desgastam o
material, enquanto valorizam o espiritual.
Com
a consciência limpa termino minha proposta. Está em suas mãos a
responsabilidade de decidir entre os caminhos. De um lado eu me
coloco, não só, mas como representante dos arquitetos brasileiros,
defendendo a economia, a ordem e acima de tudo, o futuro. De outro
lado, o empirismo, a reação, a imprevisão.
Qualquer
solução que você venha a dar não mudará as relações entre nós, nem
sua opinião futura sobre o que acabo de escrever. Se o prédio for
bom, bem projetado, bem planejado, por um bom arquiteto, você
gostará, todos gostarão; se ele não prestar, se custar muito, se não
funcionar, ser for feio ou sem personalidade, sem valor artístico,
sem plano nenhum, o resultado será o mesmo. Em todos os dois casos
você adquirirá experiência e acabará por trabalhar sempre do meu
lado e com os meus argumentos. Nós venceremos sempre como eu queria
demonstrar.
Pague
pois o que eu pedi. É pouco em relação às vantagens futuras. Ou não
pague, e as vantagens serão as mesmas, para a sociedade
evidentemente, não para você.
Com
um abraço afetuoso do amigo certo,
Vilanova
Artigas
São
Paulo, julho de 1945
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