quarta-feira, 7 de julho de 2010

Brasília é uma cidade normal

 
Por Tiago Holzmann da Silva
 
Todo cidadão brasileiro tem a sua opinião sobre Brasília, mesmo que nunca tenha estado lá. E esta opinião é definitiva e na maioria das vezes salientando seus aspectos negativos: “Brasília só tem corrupto!”, “os pobres moram longe, lá nas cidades satélites”, “sem carro em Brasília não dá pra ir a lugar nenhum”, “cidade esquisita não tem rua nem esquina”... e por aí vai.
Entre nós, arquitetos, pior ainda, somos mais críticos elaborando mil teses e estabelecendo discussões infindáveis sobre os equívocos urbanísticos da cidade.
 
Claro que Brasília está cheia de corruptos, mas é importante lembrar que fomos nós que os mandamos pra lá. Os gaúchos, os catarinenses, os maranhenses... é que povoam Brasília de políticos corruptos. Fosse a capital ainda no Rio de Janeiro e estes corruptos de todo o Brasil lá estariam infestando a cidade maravilhosa. Ou não? Mesmo porque político corrupto tem por todo lado, até o outrora imaculado pampa anda revelando estes santos.
Então, claro que Brasília é corrupta, exatamente como outros cantos do Brasil. Brasília apenas é o reflexo de nossa sociedade. É a nossa cara.
 
Em Brasília os pobres realmente moram longe, e mal, e sofrem com as carências urbanas, com o transporte público de baixa qualidade, e com outras tantas privações que explicitam a sua exclusão social e econômica. Nesse aspecto, Brasília é uma cidade excludente exatamente igual à São Paulo, ao Rio, à Belém... Ou os pobres destas cidades vivem bem? Moram “perto”? Tem acesso à serviços públicos de qualidade?
 
Brasília é realmente uma cidade dependente do automóvel. Completamente dependente e exatamente igual às grandes cidades brasileiras, atrolhadas de veículos privados, engarrafados e normalmente com apenas um ocupante por carro - o motorista.
Mas neste aspecto, pelo menos, Brasília leva a vantagem de já haver nascido pensada para este modelo equivocado de circulação baseado no veículo privado, vias amplas, cruzamentos em desnível reduzindo muito as sinaleiras e paradas, com uma lógica de circulação muito clara e onde os carros até param na faixa de segurança, mesmo sem sinaleira... incrível!
Mesmo assim, o transporte coletivo em Brasília não funciona. A implantação (lenta e tardia) do metro não salva o serviço de transporte que é realmente muito ruim, exatamente igual à outras grandes cidades brasileiras, como Recife, Florianópolis, Fortaleza...
 
Outra crítica, essa muito comum entre os arquitetos, é que Brasília “não tem rua nem esquina”, estabelecendo uma clara referência à vida urbana das cidades “normais” que tem ruas e esquinas, comércio de calçada, relações de vizinhança, integração social local... Mas, pergunto, onde há isto no Brasil hoje? Nem nas cidades do interior...
Em Porto Alegre, por exemplo, as ruas viraram corredores gradeados. A relação das pessoas com esta “rua” é de medo, pressa, desconforto. São raras exceções os bairros, ou parte destes, que ainda preservam alguma vida urbana: Bom Fim, Cidade Baixa, Moinhos de Vento e acabou...
A famosa “padaria da esquina” fechou há muitos anos nas grandes cidades de todo o Brasil. As ruas comerciais definham impactadas pelos xópins e pela falta de estacionamento para os automóveis (não são mais as pessoas que fazem compras, são os motoristas).
Pois Brasília, vejam só, ainda preserva os comércios das superquadras em geral funcionando muito melhor que “ruas” das cidades “normais”, e muito mais parecidas àquelas saudosas ruas de antigamente, na qual as pessoas se conheciam e estabeleciam relações de comunidade. Estes comércios são muito próximos aos blocos de apartamentos, nunca mais de 400m, e é muito comum que as pessoas caminhem até eles.
 
Bom, se todos tem opinião sobre Brasília, já repararam que eu também tenho: eu gosto de Brasília. Seja como um eventual visitante, como profissional arquiteto e mesmo como cidadão brasileiro.
 
Brasília é uma obra de arte, patrimônio da humanidade reconhecida pela UNESCO, reúne uma considerável quantidade de obras arquitetônicas maravilhosas. Brasília é uma cidade que nasceu de um ato criativo. O arquiteto Lucio Costa quando idealizou a cidade estava traduzindo toda a ideologia de uma geração de arquitetos e artistas. Brasília é a “cidade ideal” do movimento moderno: racional, ordenada, hierarquizada, setorizada, ampla, arejada, compreensível... Explicitando, em sua concepção, os acertos e também os equívocos do modelo da cidade moderna.
 
Brasília está organizada espacialmente a partir de um “X” ou uma cruz com um dos braços arqueados, que uns definem como uma forma de avião ou um pássaro. Este é o chamado Plano Piloto. Além dele existem os “bairros” dos lagos e as cidades satélites. É como o centro, os bairros ricos afastados e a periferia metropolitana de nossas cidades “normais”.
 
Este Plano Piloto de Brasília tem 12km entre o extremo da Asa Sul ao extremo da Asa Norte (setores das superquadras residenciais), cruzando perpendicularmente o Eixo Monumental que abriga os edifícios mais importantes como o Congresso, a esplanada dos ministérios, a Catedral, antena da TV, rodoviária...
Para efeito de comparação, o Plano Piloto de Brasília é do tamanho da 3ª Perimetral, em Porto Alegre, pois 12km é exatamente a distância percorrida entre a zona sul e o Aeroporto.
 
Claro que Brasília tem o governador Arruda, que os playboys tocam fogo em mendigo, que tem corrupto, tem assalto, que os serviços urbanos são precários, principalmente para os mais pobres, que tem muitos problemas urbanos e sociais. Mas esta também é uma descrição que serve às outras grandes cidades brasileiras. Nós também temos arrudas, playboys, mendigos, corruptos, periferias carentes... assim como também temos as nossas qualidades: o pôr-do-sol do Guaíba, o Cristo Redentor, a avenida Paulista, a Boa Viagem, o Pelourinho...
 
Brasília tem as obras do arquiteto Oscar Niemeyer (a Catedral é a mais impressionante), o plano piloto é super arborizado, fácil de se movimentar, relativamente seguro... Brasília é divertida, com mil botecos e restaurantes e cheia de opções culturais que refletem a diversidade de nosso país. É uma cidade ampla, arquitetura (em geral) acima da média, com edificações baixas e afastadas.
Brasília é uma cidade “com céu”. Em Brasília podemos contemplar o céu facilmente, ele está sempre presente. Nas cidades “normais” o céu está sempre escondido atrás de não sei quantos obstáculos.
Brasília pode ter graves problemas sociais e urbanos, mas como outras grandes cidades brasileiras, tem também muitas qualidades e virtudes que devem ser apreciadas.
 
A questão fundamental é que Brasília se apresenta diferente, com uma forma física, uma “aparência”, que não estamos acostumados, quem sabe amplificando as qualidades e os defeitos de toda a nossa sociedade, explicitando nossos grandes problemas – como a desigualdade e a corrupção – e também as nossas maiores virtudes – como a diversidade cultural e a capacidade criativa.

Brasília é normal, mas não é igual!
 
Parabéns pelos 50 anos, parabéns aos brasilienses de nascimento ou adoção e parabéns à nós brasileiros pela ousadia que um dia tivemos.


Tiago Holzmann da Silva é arquiteto e membro do Conselho Superior do IAB-RS



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Tiago Holzmann da Silva
Arquiteto e Urbanista
3C Arquitetura e Urbanismo
(51) 33122497 - 81110659
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