sexta-feira, 27 de abril de 2012

Eu dependo de um exército deles: homens!

Durante a faculdade estive afastada da vida de escritórios. Fiz alguns estágios sim, mas nestes só presenciei uma parte poética da vida do arquiteto, talvez por períodos que os escritórios passavam por ‘marés’ calmas.
Uma semana de formada fui trabalhar num escritório específico de arquitetura de interiores, residenciais e comerciais. Foi ali, confesso, que passei pelo primeiro treinamento de choque, quase num corredor polonês. Numa das obras estive envolvida com 44 homens, prestadores de serviços, um grande aprendizado e um estupendo desafio. De uma sensação de quase ‘crua’ para um assado bem passado. Pois é isso que estas experiências trazem, são elevadores de fogo que correm pelas veias diariamente.
Uma obra, uma guerra!
Já um tanto chamuscada. Fiz uma obra grande, um restaurante em 3 meses. De carne bem passada passei a brasa. Quando vi já estava com uma lixadeira de madeira nas mãos e as mãos no ofício, literalmente.
O tempo andou e desenvolvi um trabalho vinculado a outro escritório, mas aí, diretamente envolvida com os projetos, distante das obras, distante das lutas quase armadas com eles, um exército de homens: gesseiro, eletricista, colocador de piso, colocador de tecido, marceneiro, vidraceiro, rapaz das cortinas, fulano dos tapetes, estofador, marmorista, entregador da ferragem, colocador de lareira, instalador de coifa, entregador de móveis, aplicador de sinteko, pintor, encanador, colocador de ar condicionado, e mais todos outros que no momento me esforço para não lembrar.
Nos 4 últimos meses estive envolvida diretamente e intensamente com 3 obras, de tamanhos diversos e com problemas proporcionais ao tamanho do trabalho. Lastimo em confessar que em 3 anos e 8 meses de formada por mais dedicação e organização que eu possa aplicar no desenvolvimento de um trabalho, vem o exército e me atrapalha, não cumpre e saboreia o mercado imobiliário em crescimento na capital, que depende dele, mesmo no seu pior acabamento e trabalho, mesmo com todo seu atraso e desleixo.
Dependo eu deste exército de prestadores de serviço!
Uns desfazem ou estragam o trabalho dos outros. Corro que nem uma maluca com uma vassoura e uma lista de telefones tentando fazer a sintonia das operações, pois viramos gerenciadores de prestadores de serviços, ouvidores das desculpas mais estapafúrdias, pois a mulher fica doente, o filho cai na escola, o carro estraga, o servente não aparece, o material não era bem aquele, o andaime não chegou, a parede lascou e por aí vai...
Pensei que este desgaste era só meu... me remoía.
Comecei a conversar com colegas dispostos ao assunto. Uns mais jovens, outros mais experientes, daí constato que a classe de arquitetos está submetida a uma infinidade de homens, que no mínimo a metade deles exerce as funções por um salário no final do mês, ou melhor, da semana. Não há capricho, não há cuidado, não há vontade de exercer as funções. São poucos que exercem o querer e conseguem pensar a melhor alternativa para a execução da ordem dada.
Uma colega de mestrado, alemã, outro dia disse-me que não dá para trabalhar no Brasil, pois aqui o arquiteto é responsável por qualquer desgraça que aconteça dentro de uma obra e pior é que os arquitetos aqui trabalham com profissionais sem formação e desqualificados. É o motorista que vira empreiteiro, o jardineiro que torna-se pintor, o mecânico passa a encanador e o pescador virou pedreiro. E o samba das profissões acontece feito bingo de cidade do interior, coloca-se a ‘pedra’ no tabuleiro que for melhor pagador.
Ontem conversava com dois colegas, homens, um de Curitiba e outro de Santa Maria. Percebo que o cenário é o mesmo. E de certa maneira alivio-me em saber que não é percepção apenas de mulher.
O êxtase da criação do projeto se transforma em um tremendo desespero para execução do mesmo.  Quando eu concluo uma obra vem aquela sensação de UFA!!! Agradeço aos santos que estiveram perto de mim e que me ajudaram a falar em voz doce com aquele ‘cretino’ que ficou te devendo a entrega da luminária porque a importadora atrasou, o rapaz das pedras que coloca a pedra 7mm mais curta com uma fresta perceptível até para um caolho e sorri e diz com o silicone vai ficar bom.
Vai ficar bom? O quê? ARRANCA!!!!!
E assim eu me movo nesta guerra de trincheiras no qual tenho que vestir a mesma farda que o exército deles.

Arq. Manoela Py - CAU 101907-4
Porto Alegre em 26/04/2012

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