terça-feira, 5 de junho de 2012

Integrar as pessoas da cidade coíbe a violência


Entrevista José Armênio de Brito Cruz para a Folha de São Paulo em 04/06/12. Texto de Evandro Spinelli. Foto: Karime Xavier/Folhapress


Para presidente do instituto de arquitetos do Brasil/SP, espaços diversos devem abrigar diferentes classes sociais.

José Armênio de Brito Cruz assumiu no começo do ano a presidência do departamento paulista do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil) com uma festa nas ruas do centro e a meta de mostrar à sociedade que os arquitetos conhecem as técnicas para construir uma cidade melhor.

É fundador do escritório Piratininga, autor de projetos como a reforma da biblioteca Mário de Andrade e o conjunto Comandante Taylor, em Heliópolis.

Diz que a segregação dos condomínios fechados é uma das causadoras da violência e afirma que é preciso que as regiões da cidade sejam ocupadas por pessoas de todas as classes sociais.

Qual é a cidade que estamos construindo? Nessa "nova cidade" tem arquitetura? 
O importante é a população compreender que a cidade é fruto dela própria. A população não é vítima da cidade. A cidade é fruto, justamente, dessa correlação de forças, dessa ação da sociedade, dos desejos, dos desígnios que a sociedade coloca para esse espaço. A arquitetura é o instrumento para que a sociedade possa definir as direções que essa cidade vai tomar.

Que tipo de técnica?
Por exemplo, entender o que significa fortalecer o comércio de rua. Saber que o foco de um imenso shopping center vai, na área circunvizinha considerável, enfraquecer este comércio de rua.

Houve um tempo em que todo mundo queria shopping. 
Um shopping center, como espaço de mercado, pode ser positivo. Mas quando começa a chegar como uma esponja e suga a força comercial da circunvizinhança, isso tem de ser decisão da sociedade. A sociedade tem de saber quais as consequências da decisão, para não ficar com áreas deterioradas ou em desuso, porque isso é um custo para a sociedade e começa a gerar vícios no uso do espaço. 

Houve um tempo em que condomínios fechados eram moda, e agora há uma discussão de que devem voltar a se integrar à sociedade. 
O condomínio fechado é uma privatização do espaço. Isso, para a cidade, não é bom, porque, a partir do momento em que você diz que aqui só entra quem é dono, está dizendo que milhões de pessoas estão ficando fora. Talvez esse milhão de pessoas não fique muito contente.
Teses na USP já evidenciaram que, ao mesmo tempo em que cresceram os condomínios fechados, a violência também cresceu. A segregação, tecnicamente, aumenta a violência. Seja a segregação do rico no condomínio, seja a reprodução disso nas camadas mais pobres. A integração é contra a violência.

A discussão surge em período eleitoral e quando o plano diretor de São Paulo completa dez anos e precisa ser refeito. É o momento da "virada"?
É fundamental esse momento, porque quando os prefeitos colocam essas questões, eles vão tomar compromissos para a execução dos próximos quatro anos. O plano diretor teoricamente estaria em reavaliação em 2012, mas o mais importante é ver, no plano aprovado, quais as conquistas que já tivemos, para que lado podemos aprimorar. O projeto tem que entrar em pauta. Na China, você é obrigado a fazer uma parcela do seu empreendimento ligado à habitação social. Perto dele, a 150 m.
E é viável estabelecer isso como regra em São Paulo?
Plenamente viável. É a disposição da sociedade enfrentando suas questões. Quando eu era pequeno, morava perto de uma favela. Lá moravam as pessoas que faziam pequenos serviços na casa. Minha mãe mandava eu ir lá pedir para o Fulano vir arrumar a torneira. Eu entrava na favela e deixava a casa aberta para ele vir a hora que quisesse. Porque eu sabia onde ele morava. Não era numa casa igual à minha, era numa favela, mas ele era uma pessoa como eu, e a minha casa estava aberta a ele.
A segregação, quando as pessoas passam a não ter endereço, quando elas passam a viver separadas, gera a violência.

Se as pessoas se integrarem, vai reduzir a violência?
No espaço urbano, com certeza. O Copan, por exemplo, tem apartamento de 26 m² e tem de 220 m². Ninguém se estapeia no corredor. 

No debate do novo plano diretor, quais são os pontos principais?
O pano de fundo para a discussão creio que seja rompermos a cisão que existe no território brasileiro. Temos que começar a entender o nosso território como nacional. Ainda que dentro da cidade, ele é de toda a população.

Como ocupar o centro e impedir que as pessoas continuem indo morar em condomínios fora da cidade?
Qualificando o centro, colocando unidades de habitação viáveis. Os prédios ficam vazios. A partir do momento que virar conjunto de unidades habitacionais, pode até ter subsídio do governo porque ainda é mais barato que levar a infraestrutura pra lá. Existe um limite de densidade onde a economia urbana começa a ser viável. Aquém desse limite, não fecha a conta do custo do metrô, do transporte público de qualidade, da qualificação do espaço público. Precisa ter certa densidade para as coisas começarem a acontecer. É uma técnica que mistura arquitetura, economia, sociologia, e a arquitetura se coloca como uma área de conhecimento para estar junto discutindo com os administradores e propondo, porque no final a coisa se materializa.

Também se discute o processo de aprovação de projetos, a burocracia, exigências de patrimônio histórico e compensações ambientais. Isso não ajuda a emperrar o crescimento da cidade de São Paulo?
A questão da aprovação não está emperrando, mas desqualificando o crescimento. A construção da democracia na cidade demanda transparência das informações. Quanto mais as informações estiverem abertas, melhor. Se vai construir um prédio, você, que é vizinho, deve ter direito a opinar sobre ele porque vai ser afetado, seja pela sombra, seja pelo barulho se ele for uma boate. Isso é a consolidação da democracia na cidade. O ponto de partida disso é a democratização e a transparência das informações. É importante dizer que a discussão não pretere da contribuição técnica. O técnico sabe, sim, como resolver a questão, domínio que não é de todo mundo. E tem de apresentar essa solução técnica para discussão da população. Na aprovação de plantas, a gente defende que a transparência é o ponto de partida. E isso está alinhado a políticas públicas. O ônus da aprovação de um projeto que tem interesse público deve contar também com o empenho do poder público na sua aprovação, porque aquilo está dentro de uma política pública. Então, a integração de direções e a transparência das informações é uma questão. A gente tem que saber, discutir pontos ambientais. É positivo ter que discutir isso, não é empecilho para nenhum empreendimento. Temos que começar a ver que a questão do tombamento, por exemplo, não vai resolver tudo. O tombamento protege e diz "olha, ali tem um bem que é importante ser preservado". O segundo capítulo, como que vai preservar aquilo? Tem que dar a solução de como preservar. O tombamento chega até a uma atitude de reação, queremos proteger, mas não tem uma atitude proativa ainda, porque não tem instrumentos para isso.
Isso não é falha de nenhum colega, mas um segundo capítulo da política de tombamento, o fomento daquele tombamento, a proatividade no uso do bem tombado, que é a única forma de ser preservado, porque se ele não for usado, vai degradar.

Dois fatos: O shopping Iguatemi JK, impedido de abrir por falta de obras de mitigação do impacto de tráfego, e a explosão patrimonial do então diretor do departamento que aprova empreendimentos imobiliários. Eles alertam para essa discussão da aprovação de projetos?
Entendo que sim, porque são fatores que vêm da falta de transparência. Qual foi a contrapartida exigida para o shopping JK? Qual o cronograma dessas contrapartidas? A sociedade sabe? Eu, bem informado sobre essas questões, não sei. Então, não está transparente. Exigimos isso, isso e isso, as informações estão públicas. Talvez as subprefeituras possam cumprir esse papel, para chegar mais perto da população. [Um shopping center] Pode ser um projeto lindo lá dentro, mas e as consequências dele para fora? O que ele está gerando para aquela população? O que ele está gerando a dois quilômetros de lá? A consequência e a responsabilidade dessa aprovação são grandes. Tem que aprimorar essa legislação, responsabilizar os profissionais, inclusive, porque quem faz uma coisa que não está dentro da lei deve ser cobrado disso. Tanto um caso como outro estão pautando a questão da transparência da informação, que é ponto básico para a gente trabalhar. Por que não pode ter os projetos afixados? Por que eu não sei o que vai acontecer do lado da minha casa? A informação tem de ser pública. Talvez até por legislação seja, mas não é exposta, e a população não sabe como chegar a ela. Tudo tem de estar aberto. Essa é a responsabilidade do administrador público.

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