Em 1988, já sabíamos que os interesses particulares fariam tudo para dominar os planos diretores, permitindo projetos muito adensados e elitizados.
É possível salvar as grandes cidades brasileiras da crise profunda que as assola.
Para isso, a sociedade, lançando mão de todos os recursos que hoje pode mobilizar, tem de implantar uma política de desenvolvimento urbano competente, para transformar estruturalmente o processo pelo qual as cidades são produzidas, apropriadas e utilizadas, submetendo-o a objetivos e critérios democraticamente escolhidos.
Foi com essa perspectiva que segmentos mais conscientes e responsáveis da sociedade trabalharam desde a década de 1980 para introduzir na Constituição de 1988 dispositivos que tornaram obrigatória em cada cidade a instituição de planos diretores que pudessem cumprir essa missão, caso fossem elaborados e aprovados com a mais plena e efetiva participação popular.
Essa condição era essencial, pois todos sabíamos que as forças econômicas e políticas dominantes do processo urbano local tudo fariam para dominar o próprio plano diretor a fim de que ele acabasse servindo a seus interesses particulares.
Mesmo que contrariando os objetivos e critérios -sociais, econômicos, ambientais e de governabilidade- que o conjunto da sociedade escolhesse como prioritários.
No caso de São Paulo, essas investidas se concretizaram através de manobras políticas em favor de duas categorias de agentes dominantes do processo urbano.
De um lado, os agentes econômicos -notadamente empreendedores imobiliários- decididos a maximizar seus ganhos com a promoção de projetos tão adensados e elitizados quanto possível.
De outro lado, os ocupantes de cargos públicas decididos a associar os seus mandatos a obras e programas de grande visibilidade que atendam a sua clientela política e os agentes privados que viabilizam as suas campanhas.
Essas categorias têm se organizado reservadamente em São Paulo, de forma a gerar proposições de seu interesse comum e imediato, que possam ser rapidamente aprovados e implementados como fatos consumados, sem que a coletividade atingida possa discuti-los.
São proposições interesseiras que buscam, entre outros objetivos:
- Aumentar os índices de aproveitamento e ocupação dos terrenos de cada zona;
- Ampliar a outorga onerosa do direito de construir acima do permitido pelo zoneamento;
- Reduzir o quanto possível as zonas especiais destinadas à habitação popular, à preservação ambiental e aos equipamentos públicos necessários;
- E como ampliar e multiplicar as chamadas operações urbanas, que possibilitam ao setor imobiliário promover a seu critério a reurbanização de grandes áreas com projetos de potencial construtivo muito ampliado.
Em todo esse processo, a sociedade é vitimada por uma condução parcial, autoritária e manipuladora do Executivo e do Legislativo municipais, que são os poderes que deveriam preservar o direito de todos os cidadãos de participarem livre e conscientemente do processo de planejamento de sua própria cidade.
Diante da obrigação legal de um novo plano diretor já no próximo ano, é fundamental que sua formulação passe a ser programada de forma competente e democrática, com objetivos e princípios claros e com um método que assegure a definição de políticas públicas eficazes e viáveis, aprovadas e fiscalizadas pelos cidadãos e suas associações.
Interessa portanto a todos os eleitores conhecer já os compromissos e diretrizes dos candidatos nas eleições municipais para a condução do plano diretor e, especificamente, para a neutralização das manobras políticas montadas para desvirtuá-lo e impedir a participação popular.
LUIZ CARLOS COSTA, 76, professor aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, é consultor em planejamento urbano e diretor do Movimento Defenda São Paulo.
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