segunda-feira, 25 de junho de 2012

A Guerra da Independência continua


Texto de Irã Taborda Dudeque, Vice-Presidente do IAB/DN 

Mudanças institucionais são sempre complicadas. É necessário abandonar um conjunto de procedimentos e costumes e adotar outros. Por isso, mudanças institucionais são processos que nunca coincidem com a simplicidade das datas registradas em livros escolares e placas comemorativas. Num outro post, citei Brasília e a Independência do Brasil. Pois é... Permita-me divagar um pouco e já volto para o CAU.

Em 7 de setembro de 1822, D. Pedro proclamou a Independência de Portugal, mas quem devia garanti-la eram militares portugueses subitamente desligados do Reino d’além mar. O resultado foi a Guerra da Independência, que durou dois anos. O pau comeu solto na Província Cisplatina, na Bahia, no Piauí, no Maranhão, no Pará. Para vencê-la, o glorioso José Bonifácio de Andrada e Silva teve que apelar para o contrato de mercenários, além de confiscar e expulsar aqueles que não aceitassem a emancipação. E para encrencar tudo, o novo governo necessitava do reconhecimento internacional da emancipação brasileira. A ausência de reconhecimento isolava a economia, pois só poderia haver comércio pirata (como é que um navio com bandeira aportaria num país inexistente?). Para piorar, o novo governo precisava do reconhecimento de Portugal, pois poucos Estados europeus estariam dispostos a reconhecer um país distante e se inimizar com um país próximo. Os Estados Unidos foram o primeiro país a reconhecer o Brasil, em 1824. Portugal reconheceu em 1825 e exigiu uma indenização assombrosa. 

Inaugurada em 1960, Brasília atravessou sua primeira década numa posição dúbia. JK entregou a presidência para Jânio Quadros, que odiava Brasília. João Goulart idem (até porque não conseguia passar sem as vedetes cariocas). Em 1968, a reunião do AI-5 (o evento mais fatídico da segunda metade daquela década) ocorreu no Palácio das Laranjeiras, e não no Palácio do Planalto. Havia uma corrente no Congresso Nacional que queria que a capital voltasse totalmente para o Rio de Janeiro e que as obras do plano piloto fossem “doadas” para o estado de Goiás. Brasília só se consolidou como capital em 1972 (há uma má-vontade generalizada em reconhecer isso), quando a ditadura impôs os festejos do sesquicentenário da Independência, em setembro daquele ano, como o prazo final para a baldeação de vários ó rgãos federais que ainda resistiam no Rio de Janeiro (o deslocamento mais significativo foi o do corpo diplomático, que divulgava os inconvenientes da “diplomacia do sertão”; a Petrobras e o BNDES – poderosíssimos - permaneceram no Rio de Janeiro).

Mudanças institucionais são sempre complicadas. Em 1823, o Brasil não existia perante o mundo. Lá por 1965, 66, o Brasil tinha duas capitais e, na prática, o Rio de Janeiro era muito mais capital do que Brasília. Então, em 1823, havia centenas, havia milhares de comerciantes do Brasil lamentando-se que o domínio português era muito melhor do que a independência, pois “naquele tempo” eles lucravam; outros lembravam que no tempo do governo português havia paz; havia gente reclamando da ausência de serviços públicos;  havia conspiradores contra a Independência; havia gente reclamando da indefinição do território (quais as fronteiras de um país que não existe?). Em 1965, havia milhares de brasileiros convictos de que Brasília havia sido um erro e o melhor era reverter tudo, e deixar como estava antes. Hoje, isso parece loucura. Em 1965, esse pensamento fortalecia um grupo político bastante articulado que contava, inclusive, com o apoio de setores militares (logicamente, a marinha inteira preferia o Rio de Janeiro a Brasília).

Tanto a Independência como a fundação de Brasília não dispunham de “estruturas” montadas, aptas a começar a trabalhar no dia seguinte. O Brasil independente não começou a existir em 8 de setembro de 1822. Depois de completadas, ambas as mudanças pareceriam naturais e até óbvias. Mas as transições foram complicadíssimas. E, dependeram, de alguma maneira, de pessoas que acreditaram que aqueles processos polêmicos eram o melhor.

Voltando ao CAU. A arquitetura brasileira encontra-se numa complexíssima mudança institucional. Os arquitetos saíram de um sistema bizarro que os tratava como crianças elegantes e estão no meio de uma experiência única no mundo: montar um conselho profissional com uns 100 mil participantes, um conselho que pretende que todos os seus procedimentos sejam eletrônicos, um conselho que, por ser uma autarquia, depende de licitações para resolver questões corriqueiras. É óbvio, absolutamente óbvio, que hoje há problemas no CAU. E nem podia ser diferente. A lei do CAU foi aprovada há um ano e meio. O CAU começou a funcionar há 6 meses. O CAU de hoje é o Brasil de 1823, é Brasília de 1965. Porém, o maior e mais vasto de todos os problemas foi superado, que era fazer o CAU existir. Feito isso, não tenho dúvidas de que é necessário perseverar ness a travessia, sem olhar para trás. Uma travessia que, acredito, depois de completada, parecerá tão natural e tão óbvia quanto a Independência ou quanto Brasília.

Mas, para que essa travessia se complete com o mínimo de sobressaltos e a máxima celeridade, parece necessário enfrentarmos os rochedos que há no percurso. Parece necessário enfrentar os pelegos do antigo sistema CONFEA-CREA, que lamentam as tetas perdidas (esses são os equivalentes dos comerciantes de 1823). Parece necessário enfrentar aqueles colegas que se atêm a problemas momentâneos (como uma espera de vinte minutos ao telefone) a fim de divulgar que todo o processo é um erro. Parece necessário enfrentar os arquitetos provincianos, cujos limites mentais horrorizam-se porque alguns colegas viajam pelo país para reunirem-se. Parece necessário enfrentar os cérebros mesquinhos e desconfiados, que acreditam que tudo não passa de uma armação para conseguir tirar-lhes algumas moedas. Parece necessário enfrentar os pequenos-burgueses, que divulgam que vai dar tudo errado (o “CAOS”), apenas porque houve alterações nos procedimentos com os quais eles estavam acostumados.

Sou graduado em História e em Arquitetura. Mas, nesse caso, não estou agindo e nem quero agir com a isenção de um historiador. Você escreve que meus textos são muito “ácidos e venenosos”. Pois eu só lamento que, nessa Guerra da Independência na qual estamos enfiados, não sejam mais ácidos e mais venenosos. A minha profissão de fé é simples, simplíssima: José Bonifácio estava certo, os opositores da Independência estavam errados. Juscelino Kubitschek estava certo, a UDN estava errada. Os construtores do CAU estão certos, os opositores do CAU estão errados, os pelegos do CONFEA-CREA estão errados, os saudosos do CONFEA-CREA estão errados, os que exageram a importância de fatos momentâneos estão errados.

Respeito os colegas que criticam o CAU tentando aprimorá-lo. Não me calo diante daqueles que querem denegri-lo (a administradora dessa comunidade, por exemplo, comete a barbaridade de promover julgamentos a priori).

A causa é essa, a Guerra da Independência continua!!!

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