segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

ARTIGO: A cidade se transforma

Por Luiz Fernando Janot*

Cavalcanti


As cidades são organismos vivos sujeitos a transformações ao longo da sua história. Esse processo contínuo decorre de ações do poder público e da iniciativa privada através da ocupação e renovação dos espaços urbanos. Na maioria das vezes, as propostas de intervenção nas cidades são precedidas de estudos, pesquisas e diagnósticos para viabilizar sua implantação. No Rio, podemos citar as aberturas dos túneis Rebouças e Santa Bárbara como exemplos representativos de intervenções transformadoras da estrutura urbana da cidade. Existem, também, as intervenções localizadas para atender, em curto prazo, as necessidades prementes da vida urbana. O Projeto Rio Cidade, implantado em vários bairros cariocas durante a década de 1990, pode ser classificado como um tipo de intervenção localizada. Ele destinava-se a valorizar a ambiência urbana e a requalificação espacial dos principais eixos estruturadores do comércio nesses bairros. O emprego compartilhado dessas duas modalidades de intervenção urbana é perfeitamente compatível e coerente com a natureza das grandes cidades.

O Rio vive atualmente um momento especial em função das obras envolvendo a realização dos grandes eventos esportivos internacionais. Trata-se de uma situação singular que exige acurada atenção por parte do poder público. Mas nem sempre é isso que se percebe no cotidiano da cidade. Deslumbrados com a repercussão midiática desses grandes empreendimentos e insuflados pelos interesses imediatistas das grandes empreiteiras e dos agentes do mercado imobiliário, os órgãos governamentais se utilizam da exiguidade dos prazos contratuais para apresentar projetos sem avaliar, muitas vezes, as suas consequências futuras. É curioso perceber que logo após a maciça exposição midiática desses projetos, surpreendentemente, eles desaparecem do noticiário deixando a impressão de que não há nada mais a fazer senão aceitá-los, definitivamente, como fatos consumados.

A título de exemplo, citamos a proposta de transformação de parte da Avenida Rio Branco em espaço exclusivo para pedestres, divulgada recentemente na imprensa. Essa magnífica avenida, marco representativo da história da cidade, não pode ter seu eixo monumental corrompido e sua imagem descaracterizada por um fútil desejo de renovação. O mesmo se pode dizer da proposta absurda da construção de um Centro de Convenções na Marina da Glória interferindo na paisagem do parque e na perspectiva do Pão de Açúcar. E por que não se fala mais no píer em “Y”, localizado nas proximidades da Praça Mauá, que tanta polêmica despertou? Essas e muitas outras realizações precisam ser debatidas pelas entidades profissionais e pela opinião pública através da imprensa e das redes sociais, antes que seja tarde demais. Não será o poder público que irá tomar a iniciativa de reabrir as discussões a respeito dessas obras.

Afinal, desde as grandes reformas urbanas promovidas por Pereira Passos no início do século XX, passando pelo desmonte do Morro do Castelo e pela construção da Avenida Presidente Vargas, muitas obras de urbanização foram feitas no Rio sem o aval da população. Realizadas em condições extraordinárias ou em regime de exceção, essas obras dificilmente seriam aprovadas nos dias de hoje. É importante ter consciência de que em ambientes democráticos é necessário, antes de tudo, construir uma base de fundamentação consistente para fazer valer as argumentações a respeito de projetos transformadores da cidade. Mas, ao que parece, a tarefa de conciliar interesses antagônicos vem sendo desprezada pelos gestores da cidade.


*Arquiteto e Urbanista

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