segunda-feira, 24 de junho de 2013

Alerta na construção - Burocracia da prefeitura de Porto Alegre atrasa obras


 O protocolo tornou-se uma síntese da estrutura obsoleta para estudar e licenciar projetos

*Erik Farina
erik.farina@zerohora.com.br

Um leigo que ingresse no protocolo da prefeitura, onde chegam os projetos imobiliários, poderá pensar que as esguias estantes foram abaladas por um terremoto, espalhando pelo chão centenas de pastas desgastadas pelo tempo. Os estreitos corredores já causariam dificuldade para o trânsito dos funcionários da seção, que em razão dos calhamaços no piso precisam caminhar sobre as prateleiras para percorrer o espaço.

O protocolo — onde ocorre a triagem dos projetos, antes que sigam para a Secretaria Municipal de Urbanismo (Smurb) — tornou-se uma síntese da estrutura obsoleta da prefeitura de Porto Alegre para estudar e licenciar obras. Lá dormem 155 mil documentos, e o estoque cresce: a cada dia chegam 500 novos pedidos de vistoria ou aprovação de obras, mas apenas cerca de 150 são distribuídos aos técnicos do município, conforme funcionários do departamento.

— Não tem como funcionar. Fosse apenas o protocolo, menos mal. Mas todo o processo de aprovação é extremamente cansativo, burocrático, exige a presença do arquiteto ou engenheiro responsável pela obra quase semanalmente na Smurb para cobrar o andamento — desabafa o arquiteto José Paulo Bettanin, que escreveu um manifesto pedindo melhorias no setor depois que um projeto seu para uma clínica médica foi extraviado.

A Smurb foi criada em janeiro para substituir a Secretaria de Planejamento, com a promessa de melhorar o processo de licenciamento e facilitar o acesso a demandas mais simples, como Declaração Municipal ou pedidos de negativas. No entanto, conforme as construtoras, nenhum avanço ainda foi visto. O principal gargalo se mantém: falta de informatização no trâmite dos estudos de engenharia.

— Em Curitiba, por exemplo, os projetos são cadastrados no site da prefeitura e acompanhados online pelos arquitetos responsáveis. Os projetos correm na metade do tempo, pois são analisados simultaneamente pelos departamentos responsáveis. Em Porto Alegre, tudo ainda é à base do papel — compara Paulo Silveira, diretor da construtora Arquisul.

A situação ficou pior nos últimos dois meses, depois que 12 técnicos da Smurb foram afastados por suspeita de irregularidade na liberação de obras. Os 15 chefes de seção pediram afastamento temporário durante a investigação do Ministério Público, e voltaram a trabalhar apenas na semana passada, 40 dias após a operação. Pelo menos 4 mil projetos teriam ficado estancados.

Um novo departamento foi criado pela prefeitura em março para ser a porta de entrada dos empreendimentos em Porto Alegre e servir de ponto de integração entre construtoras e prefeitura: o Escritório Geral de Licenciamento e Regulação Fundiária (EGLRF). Entretanto, o órgão ainda não tem sede física e, conforme as construtoras, não gerou ganho de tempo no trânsito de projetos.

— Os entraves acabam por onerar significativamente o custo dos empreendimentos — afirma Tiago Rotta Ely, diretor da Rotta Ely Construções e Incorporações, que tem cinco projetos aguardando análise na prefeitura, o mais antigo há dois anos e quatro meses.

Contrapontos

O secretário da Smurb, Cristiano Tatsch, reconhece as limitações do órgão e considera insatisfatório o tempo de tramitação de projetos. Tatsch afirma que, em um mês, será normalizado o ritmo das aprovações, pois os responsáveis pelo licenciamento retornaram às atividades. O secretário informa que solicitou a contratação de mais auxiliares para apressar o trabalho. Tatsch acrescenta que o site da Smurb está sendo reestruturado, e também em um mês, consulta de documentos ou pedidos simples poderão ser feitos online. Outro plano é mudar a Smurb do atual prédio, considerado inadequado, o que depende de aprovação da prefeitura.

A secretária do Escritório de Licenciamento, Ana Pellini, diz que em dois meses o escritório terá uma sede própria, na Avenida Siqueira Campos, e o trabalho das comissões de aprovação trará resultados mais visíveis à sociedade. O protocolo de entrada de projetos, sob responsabilidade do escritório, será levado a um local mais amplo, e os documentos receberão códigos de barras para acelerar o fluxo e reduzir a possibilidade de erros.

Pedidos inusitados atrasam projetos imobiliários

Em novembro de 2011, a construtora Melnick Even recebeu uma ordem de embargo um tanto inusitada: um fiscal da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE), órgão do Ministério do Trabalho, condicionava o prosseguimento da construção do condomínio Arte da Bela Vista, com 70 apartamentos, à contratação de pessoas para passar creme de proteção solar nos operários. Ao verificar que a ordem fugia das normas brasileiras de segurança, a empresa foi à Justiça e obteve uma liminar para manter o trabalho.

Semanas depois, o mesmo auditor determinou que a empresa fizesse um laudo de todos os prédios na área do Arte Bela Vista, para se certificar de que não desabariam sobre a construção. Mais uma vez, a construtora foi à Justiça, alegando ser impossível executar o estudo, e ganhou. Em outras duas ocasiões, o auditor ordenou embargos por diferentes motivos, até que o juiz que acompanhava o caso remetesse pedido ao Ministério Público Federal para que proibisse o fiscal de auditar obras da construtora, por estar caracterizada suposta perseguição.

— Se fossem determinações que realmente aumentassem a segurança do trabalhador, cumpriríamos sem nenhum problema. Mas estava claro que eram exigências sem nenhum fundamento, uma burocracia com a única finalidade de paralisar a obra — analisa Leandro Melnick, diretor da empresa.
Em razão dos atrasos, o condomínio passou nove meses parado, gerando um prejuízo de R$ 2,5 milhões à companhia. O caso não é isolado. Conforme construtoras, nos últimos oito anos, tornaram-se mais comuns ordens de embargo sob argumentos considerados esdrúxulos, o que tem acarretado sistemáticos atrasos nas entregas dos imóveis.

— Como os auditores têm autonomia para embargar, um pequeno grupo passou a interpretar as normas de segurança a seu bel prazer — afirma Paulo Garcia, presidente do Sinduscon-RS.
O cenário coloca a construção civil em Porto Alegre em situação difícil frente a outros Estados, afirma Garcia. Depois que alguns fiscais passaram a exigir a revisão de todos os parafusos de gruas, esses equipamentos praticamente sumiram dos canteiros.

— Mesmo que sigamos à risca a lei brasileira, alguns fiscais evocam legislações estrangeiras para mandar parar a obra — reclama Paulo Silveira, diretor da construtora Arquisul.

Em uma das construções da empresa, um fiscal mandou trocar as bandejas de proteção determinadas pela NR-18, as normas brasileiras de segurança em construção, por um modelo espanhol, cujas estruturas não existem no Brasil. Na Justiça, a construtora obteve liminar favorável.

Entrevista com Marco Antonio Canto, diretor de fiscalização da SRTE

Zero Hora — Como o senhor avalia as reclamações das construtoras de que apenas grandes obras são fiscalizadas?
Marco Antonio Canto — As construtoras usam recursos públicos, seja dinheiro do BNDES para grandes obras, seja recursos da Caixa para o financiamento pelo comprador. O Ministério do Trabalho exige a outra parte da lei, que é o desenvolvimento com a qualidade de vida.
ZH — O fato de as construtoras usarem dinheiro público justifica uma fiscalização mais apertada?
Canto — Nas obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), recebemos orientação do governo federal para dar maior atenção. Temos de acompanhar de perto o uso do dinheiro público. Além disso, não temos equipe para chegar a todas as construções. Como o potencial de acidentes é maior nas grandes obras, nosso foco são essas.
ZH — O Rio Grande do Sul é o segundo Estado com maior número de acidentes de trabalho. A fiscalização é eficiente?
Canto — O cálculo para o número de acidentes considera apenas trabalhadores com carteira assinada. Como esse número é maior no Rio Grande do Sul, o Estado aparece entre os líderes.
ZH — Os fiscais podem determinar mudanças nas obras mesmo quando já atendam a normas brasileiras?
Canto — Preferencialmente, usamos a norma brasileira, mas a legislação diz que está à disposição da auditoria toda lei existente. Portanto, pode-se exigir normas técnicas que não estejam na NR-18, aproveitando avanços que nos deixem tão bons como os melhores.
ZH — Há alguma investigação sobre supostas perseguições?
Canto — Não temos nenhuma perseguição. O Sinduscon quer que todo auditor seja robozinho, mas eles usam seu cérebro. Evidentemente, o construtor prefere um auditor mais simpático. Mas como os auditores têm formação diferente, podem pedir alguma análise técnica em maior profundidade do que outros.

FONTE: ZERO HORA - 23/06/2013 | 07h02

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