Roberto Ghione*
A cidade se constitui, segundo Aldo Rossi¹, por elementos primários, ou
estruturantes, e por tecido urbano secundário, ou acompanhante. Os estruturantes
são aqueles edifícios e espaços singulares e significativos, que a sociedade
tem como pontos de referência por serem sede de órgãos representativos da
organização comunitária, de serviços públicos indispensáveis, de atividades de
lazer e cultura ou espaços públicos de congregação. Esses edifícios e
espaços têm a vocação de definir a imagem da cidade, estruturar sua identidade,
definir sua transcendência, marcar as características do tempo e lugar de
atuação, valorizar a própria estrutura urbana e manifestar os valores culturais
comprometidos com a contemporaneidade e com os desejos e expectativas da
sociedade. Eles são motivo de particular atenção e, por possuir uma carga de
significado tão importante, abertos ao debate e discussão pública com a
participação das mentes mais esclarecidas. Eles se constituem nos monumentos da
cidade, independente de sua escala e hierarquia, no sentido de superar o
rotineiro para entrar na consciência cidadã como pontos referenciais de uma
atividade ou de representação e significado. Tais empreendimentos ficam, por
sua natureza, sob decisão e ação do poder público.
Os acompanhantes são aqueles edifícios de fundo, que definem o espaço urbano e
possuem padrão de certa repetição e subordinação às leis gerais de organização
da estrutura urbana. Por sua natureza, tais empreendimentos são atribuição da
iniciativa privada, com o correspondente controle e debate público quando o
impacto deles atinge o funcionamento da estrutura urbana ou a própria imagem da
cidade.
O processo mais idôneo para a construção dos edifícios estruturantes e
acompanhantes de impacto é o concurso público, mecanismo que garante a
participação e debate de idéias para a estruturação de áreas de interesse geral
e para a construção de novos significados para a cidade. Garante, de igual
modo, a participação das pessoas mais esclarecidas para julgar e escolher as
propostas mais apropriadas em representação da sociedade, mediante celebrações
democráticas e transparentes. Decidir a construção de edifícios e espaços de
interesse público através de concurso é uma marca de civilidade e de efetivo
comprometimento com a valorização da cidade como lugar de vivência coletiva e
da arquitetura como manifestação cultural.
Não é este o procedimento que, em sentido geral, é seguido no Brasil. Salvo
honrosas exceções, a urgência dos compromissos políticos e o conluio entre
interesses públicos e privados determinam a construção de edifícios e espaços
de interesse geral segundo decisões impostas, sem uma efetiva participação das
melhores propostas, que poderiam promover uma efetiva transformação e
valorização das cidades e dignificação das pessoas. Governantes e prefeitos
apelam aos malfadados projetos padrão, licitações de carta marcada ou suspeitos
notórios saberes para resolver urgências eleitoreiras, geralmente definidas
entre as quatro paredes dos gabinetes de governo e cujos resultados tendem a
ser de duvidosa qualidade. A urgência, ignorância e interesse atropelam a
importância que deveriam ter intervenções destinadas a criar espaços de
dignificação social e de manifestação cultural, substituindo-as por projetos
medíocres, repetidos ou interesseiros, eliminando as possibilidades de escolha
de alternativas melhores e de legitimar a utilização dos recursos públicos.
Desta forma, perdem-se, uma após outra, oportunidades de efetiva valorização
social e urbana e de participação profissional qualificada mediante o debate
enriquecedor e de superação da crítica circunstância das cidades brasileiras.
Hospitais-padrão, centros de saúde-padrão, bibliotecas-padrão, escolas-padrão,
seja o que for-padrão levam ao anonimato e à completa desconsideração das
características sempre cambiantes e atípicas dos diferentes bairros, setores
urbanos, paisagens e efetivas necessidades e aspirações sociais. Os conceitos
de identidade, variedade e diversidade são atropelados freqüentemente por falta
de planejamento, participação e procura das melhores soluções para cada
desafio.
Experiências em outros contextos tem demonstrado a capacidade transformadora
que possui a arquitetura bem projetada e construída, mediante processos
participativos. Boa arquitetura, especialmente para a população mais pobre,
realizada mediante gestões transparentes, tem uma vocação de transformação
social impressionante². Porém, a consciência brasileira em geral parece
estar alheia a estes procedimentos de efetiva dignificação. As decisões
impostas sem participação e oportunidades de escolha do melhor para a sociedade
são a marca do subdesenvolvimento e a persistência de culturas de coronelismo e
autoritarismo anacrônicos. Arquitetura e urbanismo são profissões
desconsideradas e desvalorizadas em nosso contexto, dentre outros motivos, por falta de conhecimento
acerca de sua potencialidade de transformação social mediante atuações de
dignificação do espaço urbano. Enquanto não se criar consciência da capacidade
de melhorar a realidade social, nossas sociedades continuarão mergulhadas no
subdesenvolvimento e reclamando por melhor qualidade de vida urbana, sem
imaginar o aporte que arquitetura e urbanismo podem oferecer mediante processos
transparentes e participativos para a construção de uma cidade digna e
integrada.
*Roberto Ghione é Arquiteto e Diretor do IAB/PE
*Roberto Ghione é Arquiteto e Diretor do IAB/PE
Notas:
¹ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade,
Livraria Martins Fontes Editora Ltda, São Paulo, 1995
² As transformações urbanísticas e sociais em
Medellín e Bogotá são paradigmáticas, mediante intervenções participativas
altamente qualificadas e gestões de desenvolvimento urbano transparentes e
democráticas.
Um comentário:
Eu acho que é sempre bom fazer parte de um projeto como esse eu espero que em algum momento têm a oportunidade de fazer o que eu sempre gosto de sentar e conversar com os meus parceiros e restaurantes kosushi
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