segunda-feira, 25 de novembro de 2013

ARTIGO: Cidades descartáveis

Luiz Fernando Janot*

A cada dia se torna mais evidente a influência do modelo neoliberal na gestão das cidades brasileiras. Até bem pouco tempo ainda se percebia a fronteira que separava as motivações políticas dos interesses de ordem econômica e financeira. Atualmente, essa delimitação foi deixada de lado, e as decisões políticas passaram a ser tomadas, quase que exclusivamente, pelo viés do mercado. Infelizmente ainda não se conseguiu formular uma alternativa capaz de se contrapor, na prática, a essa tendência que se consolida pelo mundo afora.

Coerente com esse pensamento mercadológico, as cidades passaram a ser tratadas como empresas destinadas a atrair para si capitais e investimentos de diversas naturezas. No afã de fazer cumprir esse desígnio ideológico, o poder público, em parceria com a iniciativa privada, concentrou suas atenções em promover obras espetaculosas destinadas a conquistar espaço na mídia e, consequentemente, dividendos eleitorais.

Na maioria das parcerias público-privadas, percebe-se que o financiamento costuma ficar por conta do poder público e o lucro para a iniciativa privada. Pouco importa se o montante dos recursos alocados irá comprometer as finanças do município ou do estado. Caso o negócio seja malsucedido, os órgãos financiadores — BNDES e Caixa — estarão a postos para bancar os reajustamentos necessários e os eventuais prejuízos com recursos do Tesouro Nacional. As arenas esportivas — apelido marqueteiro dos novos estádios de futebol — estão aí para comprovar a veracidade dessa afirmação.

Nessa perspectiva de desenvolvimento urbano, os aspectos de ordem social vão sendo relegados a um plano secundário e os contrastes sociais se tornam, a cada dia, mais evidentes. É preciso ter em mente que existe uma estreita relação entre segregação espacial e violência urbana. Cidades com espaços segregados tendem a ampliar progressivamente os seus índices de violência. Os quebra-quebras de equipamentos públicos e os arrastões nas praias cariocas são sintomas perversos dessa triste realidade. Por ser a cidade um espaço agregador das diversidades sociais e culturais, é inaceitável qualquer espécie de segregação espacial.
É preocupante, portanto, constatar a crescente disseminação de megaempreendimentos imobiliários — com dimensões superiores a muitos bairros tradicionais — projetados e construídos sem nenhum vínculo de relacionamento com o ambiente no seu entorno. O menosprezo pelo planejamento urbano e a falta de transparência na tomada de decisões vêm contribuindo, cada vez mais, para a criação de projetos inconsistentes, obras de má qualidade e ambientes favoráveis à prática da corrupção.

Diante das inúmeras transformações urbanas que o Rio vem passando, pergunta-se: qual o legado que efetivamente se deseja para as próximas gerações? Seria esse modelo de cidade construído como um bem de consumo descartável ou uma cidade mais humana onde o convívio nos espaços públicos possa expressar uma efetiva condição de cidadania?

É importante deixar claro que, não obstante o atual desenvolvimento econômico e a prosperidade que permeia a vida na cidade, o Rio registra altos índices de desigualdade social, de miséria e de violência urbana. Isso não pode ser ignorado. Basta observar as condições precárias do conjunto de favelas e loteamentos irregulares onde vive, sem infraestrutura e serviços públicos de primeira necessidade, mais de um quarto da população carioca. Enquanto isso, bilhões são destinados a gastos supérfluos e obras desnecessárias.

É desejável, portanto, que os novos empreendimentos imobiliários, ao contrário dos modelos exclusivistas divulgados nas recentes e luxuosas campanhas publicitárias, priorizem a sua inserção no tecido urbano como forma de assegurar a efetiva democratização da cidade e a preservação da cultura que determinou o espírito espontâneo e agregador do carioca. Afinal, uma cidade como o Rio não pode ser tratada como um bem de consumo descartável.

*Luiz Fernando Janot é arquiteto e urbanista




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