segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Porto Alegre das construtoras


As cifras publicadas foram extraídas do repositório de dados eleitorais do TSE, utilizando scripts disponíveis aqui. Compilar essas cifras é um processo um pouco técnico mas você pode reproduzi-lo independentemente, ou gerar novos dados, se desejar. Uma análise política academicamente respeitável desses dados só poderá ser feita por alguém com conhecimentos mais aprofundados nesta área – e eu espero que isso aconteça em algum lugar – mas eu não deixarei de dar minhas interpretações.

Who is who em Porto Alegre

Para começar nosso estudo do financiamento das campanhas para prefeito de Porto Alegre em 2012, vamos nos familiarizar com os principais players. Estes foram os quinze maiores doadores individuais, agregando dados referentes a todos os partidos e candidatos:

Esses valores não representam transações individuais, mas consolidam o total doado por cada empresa, e excluem transações originárias de partidos políticos e comitês eleitorais.

Verifica-se imediatamente o fato bem conhecido de que empresas de construção exercem um papel predominante no financiamento eleitoral. Outros setores ativos são os de finanças, indústria alimentícia, mineração e siderurgia, e celulose. A Companhia Zaffari parece ser um caso à parte, já que não parece haver doações expressivas de outras empresas do setor de varejo, tanto em Porto Alegre quanto em outras regiões do país.

A disputa pela prefeitura

É evidente que, ao doar dinheiro a campanhas eleitorais, empresas vislumbram a obtenção de benefícios financeiros futuros. Esses benefícios podem se concretizar através da mera melhoria da situação econômica da região, ou através da aprovação de legislação conveniente, ou mesmo, no fim do espectro da moralidade, através da possibilidade de corromper candidatos beneficiados durante a campanha.

De maneira similar, podemos conceber diferentes estratégias de investimento em uma eleição. Por exemplo, pode-se imaginar certa companhia esteja menos interessada em influenciar o resultado do pleito que em garantir a simpatia do candidato vencedor, seja ele quem for, e assim distribua seus investimentos de maneira relativamente uniforme entre os candidatos; ou pode-se imaginar que tenha um comportamento mais politizado e invista pesadamente em seu campeão. Minha motivação inicial com este trabalho foi estudar precisamente este aspecto do comportamento das companhias da área de engenharia civil. Eu esperaria um comportamento pouco politizado, mas, como veremos, essa hipótese não se sustenta no caso da disputa para prefeito de Porto Alegre em 2012.

Vamos aos números: A campanha de José Fortunati arrecadou cerca de R$ 5,5 milhões, com R$ 3,7 milhões (67% do total) provenientes de companhias de construção. Os demais setores da indústria, bem como pessoas físicas, forneceram frações bem menos expressivas do total. A figura abaixo mostra em mais detalhes a composição do “portfólio” de Fortunati.


Manuela d’Ávila levantou um total de R$ 1,5 milhão junto a empresas e pessoas físicas. Curiosamente, o setor da indústria que mais contribuiu com sua campanha foi o alimentos, com R$ 560 mil ou 38% do total, ficando à frente das construtoras, que somaram R$ 316 mil ou 21% do total.


Finalmente, Adão Villaverde angariou um total de R$ 718 mil, destacando-se a contribuição do setor de construção civil, com R$ 242 mil (37% do total), e de pessoas físicas com R$ 212 mil (30% do total)



Percebemos portanto uma forte preferência do setor de construção pelo candidato Fortunati, que sozinho recebeu um montante quase 7 vezes maior que os demais candidatos. Antes de atribuir motivações políticas a esse fenômeno, devemos refutar a hipótese de que essas companhias avaliassem como muito pequenas as chances dos demais candidatos e tenham evitado financiá-los por esta razão. Embora Fortunati tenha sido eleito no primeiro turno e com grande margem (65% dos votos, contra 18% de Manuela), pesquisas em agosto e início de setembro indicavam uma disputa acirrada entre Fortunati e Manuela, que estariam em empate técnico. Em vista desses dados eu concluo que o apoio maciço da indústria de construção a Fortunati possuía de fato motivações políticas, e a hipótese de que os benefícios oriundos de construtoras foram decisivos para o resultado final do pleito parece se sustentar.

É interessante aplicar as mesmas considerações para companhias em outros setores. O Itaú Unibanco forneceu R$ 150 mil à campanha de Fortunati, o mesmo valor a Manuela, e R$ 100 mil a Villaverde. Essa é a assinatura de um comportamento apolitizado, que visa a criar laços com figuras públicas de todas as orientações políticas. A Companhia Zaffari doou R$ 250 mil a Fortunati e R$ 130 mil a Manuela. Neste caso vislumbramos uma preferência sensível por Fortunati, que poderia ser atribuída tanto a questões políticas quanto a uma avaliação das chances de cada candidato na disputa. Por fim, a Gerdau contribuiu com R$ 280 mil à campanha de Fortunati e com apenas R$ 20 mil à campanha de Manuela, indicando uma forte preferência política.




Fonte: Site Quem dá mais? ( http://bit.ly/1gNjcZR )


Nenhum comentário: