Carta de Porto Alegre
Os representantes do Ministério Público Federal e Estaduais, os
representantes dos demais órgãos públicos vinculados à proteção do patrimônio
cultural e os integrantes da sociedade civil presentes no VI Encontro
Nacional do Ministério Público na Defesa do Patrimônio Cultural,
realizado em homenagem à memória do Professor José Eduardo Ramos Rodrigues nos
dias 12, 13 e 14 de novembro de 2014, na cidade de Porto Alegre, sob os
auspícios da Associação Brasileira do Ministério Público do Meio Ambiente –
ABRAMPA, ratificando as conclusões dos Encontros de Goiânia, Santos, Brasília,
Ouro Preto e Rio de Janeiro, votam e aprovam as seguintes conclusões:
- A gestão do patrimônio
     cultural deve incorporar a perspectiva do longo prazo e deve se integrar
     ao planejamento urbano e aos demais setores governamentais, a fim de que a
     proteção dos bens culturais seja inserida nos processos decisórios.
- A preocupação com o entorno
     dos bens culturais não deve se restringir à volumetria das edificações. O
     entorno envolve, sobretudo, as questões sociais. Os cidadãos devem ser
     incluídos na esfera do patrimônio cultural. A qualidade deve ser
     equilibrada com a criação de infraestrutura, patrimonializando as
     periferias.
- A criação de mecanismos
     para garantir a uso e a geração de renda para o patrimônio cultural é
     fundamental, pois a insustentabilidade econômica leva à deterioração.
- O turismo pode ser uma
     alternativa viável a conferir sustentabilidade aos bens culturais, porém é
     preciso estar atento para a preservação da alma do lugar, que, muitas
     vezes, é ameaçada pela saturação das atividades turísticas.
- As políticas de
     planejamento e a legislação urbanística devem considerar a estética urbana
     como um componente da qualidade de vida das populações.
- É imperiosa a necessidade
     de fortalecimento das organizações da sociedade civil que atuam na defesa
     do patrimônio cultural.
- O patrimônio cultural
     imaterial ou intangível, que congrega grande diversidade de manifestações
     associadas aos valores e tradições dos grupos formadores da identidade
     brasileira, precisa ser efetivamente valorizado, mediante ações de
     identificação, promoção e, sobretudo, apoio para sua continuidade
     histórica.
- Os megaeventos produzidos
     por organizações internacionais, que pretendem impor autoritariamente
     modos específicos de fazer, impactam negativamente o patrimônio cultural
     nacional, diluindo ou “pasteurizando” as especificidades das manifestações
     locais e regionais.
- O Ministério Público
     Brasileiro deve promover a criação e aparelhamento, em todos os ramos e em
     todas as unidades da Federação, de órgãos de execução, coordenadorias e
     grupos especializados na tutela do patrimônio cultural.
- Os concursos para ingresso
     de servidores nos quadros do Ministério Público devem prever a seleção de
     profissionais para prestar suporte técnico à atuação na defesa do
     patrimônio cultural, como historiadores, arquitetos, arqueólogos,
     espeleólogos e restauradores.
- O Ministério Público deve
     procurar fortalecer a atuação dos órgãos públicos de defesa do patrimônio
     cultural, objetivando a eficiência e a integração das políticas de
     proteção e preservação.
- Na preservação do
     patrimônio cultural, o Ministério Público deve ter um papel articulador,
     com ênfase na tutela preventiva.
- As audiências públicas constituem-se
     como importantes e poderosos instrumentos na defesa do patrimônio cultural
     brasileiro, uma vez que promovem o diálogo direto e aberto com a
     sociedade.
- O Ministério Público deve
     buscar articulação com a sociedade civil organizada e a imprensa a fim de
     conferir maior controle social sobre ameaças e danos ao patrimônio
     cultural, inclusive mediante a realização de audiências públicas.
- A violação ao princípio do
     devido processo legal por parte de autoridades públicas na condução de
     procedimentos, autorizações, licenças ou permissões envolvendo o
     patrimônio cultural deve ensejar a análise detida da possibilidade de
     responsabilização criminal e por ato de improbidade administrativa.
- A arte funerária ou tumular
     deve ser inserida nas políticas de preservação do patrimônio cultural,
     sendo o inventário e o tombamento institutos que podem ser utilizados para
     sua proteção.
- Os cemitérios devem ser
     pensados como locais de práticas conciliatórias para preservação da arte
     funerária e, ao mesmo tempo, para sua atualização diante do processo de
     pós-modernização dos espaços da morte.
- Os sítios paleontológicos
     podem constituir elementos de relevância para a promoção do geoturismo e
     da geoconservação.
- Deve-se exigir a
     articulação do IPHAN e do DNPM para que os sítios paleontológicos sejam
     geridos como elementos integrantes do patrimônio cultural brasileiro, e
     não como meros bens minerais.
- O desenvolvimento de
     atividades minerárias deve se dar de forma mais sustentável e consciente,
     levando em consideração os bens paleontológicos, que são extremamente
     frágeis e possuem elevado potencial científico.
- As descobertas
     paleontológicas e os conhecimentos científicos a elas associados devem ser
     socializados com a comunidade do território onde ocorreram.
- O Ministério Público deve
     buscar a implantação de infraestrutura adequada para a conservação in
     situ de sítios paleontológicos dotados de potencial geoturístico.
- Os estudos de avaliação de
     impactos ao meio ambiente devem, necessariamente, abranger a análise de
     impactos ao patrimônio paleontológico.
- Deve-se atentar para a
     possibilidade de roteirização temática de bens culturais (relacionados a
     ciclos econômicos, fatos históricos e outros elementos comuns a um
     itinerário), objetivando a conservação integrada, a valorização, o uso
     sustentável e a promoção do patrimônio cultural, com especial enfoque na
     geração de benefícios sociais e econômicos para as comunidades residentes
     no roteiro.
- As exigências dos órgãos
     administrativos de controle da produção de alimentos não podem
     desconsiderar a dimensão cultural de peculiares e tradicionais modos de
     fazer.
- A efetivação da tutela do
     patrimônio natural-cultural exige, para além do dever de cuidado com os
     ecossistemas per se (a ecologia dos lugares), o reconhecimento das
     formas particulares de interação entre o homem e a natureza.
- Como elemento da paisagem,
     a água possui uma dimensão cultural, para além da ecológica, sendo
     portadora de múltiplas significações simbólicas que justificam a sua tutela
     jurídica também da perspectiva da proteção do patrimônio cultural.
- As paisagens hídricas, que
     congregam aspectos ecológicos e existenciais e são elementos constitutivos
     da memória e da identidade do povo brasileiro, devem ser objeto de ações
     de conhecimento e salvaguarda.
- A dimensão cultural da água
     reforça a necessidade e o dever, compartilhado por poder público e
     sociedade, de proteção e restauração dos sistemas hídricos, cujas
     possibilidades de fruição não se resumem a aspectos
     econômico-utilitaristas.
- O tombamento não se limita
     a um mero processo de proteção formal de bens dotados de valor cultural.
     Ao contrário, o instrumento deve servir como um processo permanente de
     gestão do bem tombado com o objetivo de assegurar a sua conservação e
     promoção.
- Os princípios da
     intervenção estatal obrigatória, da prevenção, da eficiência e da justa
     distribuição de ônus e bônus decorrentes da proteção do patrimônio
     cultural impõem que todo bem tombado conte com um Plano de Gestão que
     contemple aspectos atinentes à sua conservação e promoção.
- O Plano de Gestão do bem
     tombado deve ser elaborado com garantia da participação do proprietário da
     coisa, dos vizinhos, do poder público e da coletividade em geral.
- O Ministério Público deve
     se valer dos instrumentos extrajudiciais e judiciais necessários para que
     todo bem tombado conte com seu Plano de Gestão aprovado e publicado com a
     maior brevidade possível.
- O Direito do Patrimônio
     Cultural deve ser visto como um direito que tem uma função promocional,
     que se interessa por comportamentos tidos como desejáveis, e, por isso,
     não deve se limitar a proibir, obrigar ou sancionar condutas. Ele pode e
     deve estimular comportamentos, inclusive mediante a concessão de
     benefícios e incentivos fiscais e financeiros para os proprietários de
     bens tombados.
- A conservação preventiva de
     bens culturais é sempre preferível à restauração.
- A preservação do patrimônio
     cultural pode ocorrer por meio da criação de espaços territoriais
     especialmente protegidos, que congregam, dentre outros espaços, as Unidades
     de Conservação.
- Na medida em que há
     profunda interdependência entre patrimônio cultural e natureza, as
     unidades de conservação devem servir não apenas à proteção de bens
     naturais, como também de bens culturais, materiais e imateriais.
- O Ministério Público deve
     exigir a elaboração de planos de manejo, objetivando alcançar a
     efetividade protetiva das unidades de conservação, mormente das que
     abrigam bens integrantes do patrimônio cultural.
- Os planos de manejo de
     unidades de conservação devem prever diretrizes específicas sobre os bens
     culturais.
- O Ministério Público deve
     exigir dos municípios a criação e implementação de instrumentos de gestão
     das políticas urbanas, voltados para preservação do patrimônio cultural,
     em especial o Plano Diretor, o Direito de Preempção, a transferência do
     direito de construir, a outorga onerosa do direito de construir, o Estudo
     de Impacto de Vizinhança e a concessão de incentivos e benefícios fiscais
     e financeiros.
- O Ministério Público deve
     buscar que os órgãos de proteção do patrimônio cultural, responsáveis pelo
     tombamento cumulativo de bens culturais, integrem ações de análise e
     aprovação de intervenções em bens tombados. Neste sentido, devem ser
     instalados escritórios técnicos integrados, objetivando celeridade e eficiência
     em benefício dos interesses da preservação e dos administrados.
- Os órgãos federal e
     estaduais de proteção do patrimônio cultural devem manter escritórios
     técnicos em municípios que contam com conjuntos históricos tombados.
- As ações de intervenção e
     preservação de bens culturais devem estar sempre associadas a programas de
     educação patrimonial, que possam despertar o interesse e o envolvimento da
     comunidade em relação à gestão do patrimônio cultural, gerando laços de
     pertencimento.
- O valor de antiguidade
     (tempo de permanência) é apenas um dos componentes valorativos que
     justificam a proteção de um bem cultural.
- O Poder Público tem o dever
     de realizar a gestão de documentos e a proteção do patrimônio
     arquivístico, reconhecendo-os como relevantes instrumentos de apoio à
     administração, à salvaguarda e promoção da cultura e à produção do
     conhecimento científico, garantindo o princípio do acesso à informação.
- A revitalização dos centros
     históricos não deve promover o fachadismo e a gentrificação. É fundamental
     a inclusão da comunidade no processo de valorização e fruição do
     patrimônio cultural.
- A proteção da natureza e da
     cultura podem gerar desenvolvimento econômico e social.
Por fim, os participantes manifestam repúdio à proposta, nos termos em que foi concebida, da Instrução Normativa 01/2014 do IPHAN, que pretende flexibilizar as exigências atinentes aos estudos arqueológicos preventivos, em razão da falta de fundamentos técnicos, de graves inconsistências jurídicas e da ausência de transparência e participação na sua formulação.
 
 
 
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